Curiosidade



Coisa estranha a forma como alguns crescem em nós. Nunca tinha percebido como era possível. Sempre foi para mim uma coisa basicamente instintiva, e ainda mais com homens – gosto ou não gosto, simpatizo ou não simpatizo, confio ou não confio, atrai ou não atrai (e nesta vertente então, é mesmo instintivo e imediato). Depois normalmente o primeiro impacto vai-se consolidando e pode crescer, às vezes mais e às vezes menos, mas sobretudo se fôr positivo. Aí é como uma semente - se confio, confio cada vez mais, se gosto, gosto cada vez mais. Salvo, claro está, as desilusões que se tem pelo caminho. Se é negativo, normalmente acaba em simples indiferença porque me afasto diplomaticamente, detesto fazer fretes de politicamente correcto.

E no entanto, de repente dou conta de que, aos poucos, há mesmo quem ganhe espaço dentro de mim, quem se vá construindo em mim do quase nada e vá ganhando outros contornos, ganhando aos poucos a simpatia, o gosto, a confiança, e até a própria atracção, num crescer simultâneo das várias vertentes, e polarizado-se em algumas delas. Torna-se mais igual, deixa de ser um ser tão estranho e diferente que mais parece de outra espécie, no sentido em que vai sendo mais conhecido, mais compreendido. E sendo essa descoberta positiva, agradável, acaba por causar vontade de conhecer mais, de descobrir o resto, e acaba até por levar a dar atenção a aspectos que antes nem se olhavam, a somar identificações e compatibilidades dentro das diferenças que subsistem. Sei agora que é possível alguém passar de uma indiferença a uma vontade de presença, de um conhecido a um amigo, e até de uma resoluta falta de atracção a um curioso interesse de quase desejo. Esta curiosidade pode ser semente.

Mas... diz um popular ditado que “curiosity killed the cat” e, num plano um pouco mais elevado, dizia Nietzche que “quando nos vemos obrigados a mudar de opinião a respeito de um indivíduo, fazemos com que pague caro o trabalho que nos deu.” E isto preocupa-me e deixa-me a pensar...

11 comentários:

Paulo Lontro disse...

Entendi perfeitamente o teu ponto de vista.

Há no entanto espaço para acrescentar que a nossa percepção de uma pessoa não pode ser apenas intuitiva, tem que haver espaço para a tentativa de entendimento e compreensão.

Muitas coisas vão sendo visíveis com o tempo com a vivencia.

Enquanto esse tempo não acontece, é o tempo de dar, dar sem ter a certeza de receber mas, quanto maior for a nossa generosidade mais poderemos esperar de positivo dessa pessoa.

CB disse...

Paulo,

É precisamente o dar esse "espaço" de que falas, para além do intuitivo, que nunca soube fazer. De certo modo, não costumo dar o benefício da dúvida a quem não me inspira vontade de conhecer para além do óbvio. É verdade que acaba por me surpreender uma coisa que parece óbvia - dei esse espaço sem sequer me aperceber, e realmente descobri uma pessoa bastante diferente do que a que a minha intuição tinha pintado.

Já se dei de mim, durante esse tempo, é outra questão. Acho que dei apenas, e ainda assim inconscientemente, o benefício da dúvida. Mas apesar de tudo o que de positvo daí resultou, na verdade lá no fundo subsiste a dúvida que expresso no ditado popular e na citação de Nietzche...

Pronúncia disse...

Princesa, é por isso que eu ainda acredito nas pessoas. Por nunca saber quando me vão surpreender pela positiva.
Estes são poucos, mas valem bem o trabalho que os que não valem a pena deram.

Bom fim de semana :)

CB disse...

Pronúncia,
É uma boa observação, que realmente também dá muito trabalho lidar com as desilusões dos que surpreendem pela negativa.
Bom fim de semana. :)

1REZ3 disse...

Aos poucos começo a preferir entrar de pé atrás.
A fase da lua-de-mel é toda ela muito bonita até que nos apercebemos - sabemos sempre de antemão - dos defeitos, naturais em toda a gente, muitos deles insuportáveis.
Ir aos poucos explorando a pessoa, sendo explorado também e de repente essa pessoa ser mais do que aparenta é muito... Curioso :)

CB disse...

13,
Há uma coisa que dizes que é exactamente o que me peocupa - até que ponto é que, ao dar espaço para um conhecimento "racional" que descobre algo contra ao que "intuimos", não é mascarar o que é real em vez de ser o contrário? Dizes até que nos apercebemos - sabemos sempre de antemão" e esse saber para mim é a intuição a funcionar. Mas sim, é curioso, e quem sabe desta vez a intuição é que estava errada?...

1REZ3 disse...

Se for esse o caso, ainda bem. Para ambos, presumo :) Se for o caso de a intuição estar errada, é sinal que ainda te consegues surpreender a tí própria. O que é sempre positivo, acho...

Força! :)

1REZ3 disse...

Não estarás a mascarar. Quanto estarás a não avançar depressa de mais (eu daqui para a frente falo por mim), não pintando a pessoa pelo que ela não é. Estarás a ser ser verdadeira na mesma, talvez não por completo. Mas deixarás sempre a marca do que, no fundo, és. Para o bem ou para o mal, sendo neste caso para o bem.

E creio que a nossa intuição às tantas também já leva por arrasto com as experiências anteriores. Daí a parte do explorar, daí a constatação de que por vezes - ou na maioria - a intuição tem que andar de mão dada com a parte racional. O mal é andarem sempre às turras... :)

CB disse...

13,

E eu que não gosto de surpresas... :S

Claro que a nossa intuição se "aguça" com o tempo, com a experiência, e por isso me assusta um bocado que a minha ainda não esteja afinada. Ou se calhar assusta-me que acho que está afinada e estou a ir contra ela pelo racional. É confuso, eu sei... :)

1REZ3 disse...

Surpresas más, presumo. As outras, bem preparadas são um mimo :D

Confuso são as minhas frases debitadas à pressa... E a mais recente do outro texto :s

CB disse...

13,
Não, é que não gosto mesmo de surpresas... nem sequer das boas... Traumas!

Confusões à parte, acabamos por nos entender. :)