Queria o vento

Queria um sopro forte, muito forte. Uma ventania desabrida. Daquelas que faz bater as janelas, que muda o ar que se respira, a temperatura que se sente, o sítio das coisas e a ordem dos cabelos. Daqueles sopros de renovação, mesmo que violento. Um vento de mudança - para melhor. Queria. Mesmo.

Já agora, que o vento levasse a confusão espalhada pela minha casa, vítima das interrupções da árdua tarefa da mudança de estação no meu roupeiro. É uma luta. Já faltou mais, e já tenho algumas certezas: compro demais, compro coisas que não devia, ainda assim falta sempre qualquer coisa e, quando mudar de casa outra vez, o que não pode faltar é mais espaço para arrumar.

Faço o mesmo por dentro que faço com as roupas e os sapatos, e os demais acessórios no roupeiro. Sinto e penso demais, faço vivas memórias de coisas que não devia, e também me falta sempre qualquer coisa, para além do espaço para conseguir dispôr tudo de forma organizada, sistemática - e permanente. E as minhas estações interiores sucedem-se em ritmos próprios, às vezes demasiado rápidos, quase alucinantes, obrigando-me constantemente ao caos de pôr tudo para fora, e ao esforço de escolher o que guardar, o que deitar fora, e o que deixar à mão, organizadamente, para usar. A diferença é, essencialmente, no deitar fora. Da roupa e acessórios eu desfaço-me sem problema e, quase sempre, sem pena. Racionalmente sei que não tem mais uso para mim, e como não deito no lixo, mas dou sempre a alguém que precisa, sinto justificado o acto. Das outras coisas de dentro é mais difícil. Porque não as posso dar a ninguém, e nem consigo que se descolem de mim. Sinto que a maior parte do meu interior se tornou uma enorme, e atafulhada, arrecadação. Só não tem pó, do tanto que lhe mexo. Que luta - e que canseira.

Queria o vento, sim, um sopro, uma lufada de ar fresco. Podia ser que me ajudasse a respirar.

4 comentários:

Bípede Falante disse...

Princesa, também compro demais e arrumo e desarrumo demais e reorganizo tudo outra vez e espero pelo vento, que anda a ventar e tanto que minha cabeça começa a ficar descabelada e atarantada e derramada como o meu coração.

CB disse...

Querida Bípede, pelo menos, com o tanto que desarrumamos e arrumamos, não ganhamos pó. E não se deixe vencer pelo vento. Eu sei que é difícil por vezes, mas faça antes dele um aliado que alivie, e não que derrame, o seu coração.

1REZ3 disse...

Pode ser que certo dia, quando menos se espera, em vez de um vento te surja uma maré e te surpreenda :) Até porque o vento contorna-te, já a água, carrega-te e refresca.

(Que trocadilho mais rasca!)

CB disse...

Noya, trocadilhos aparte, ja tive a experiencia de uma onda com a subida da mare, escrevi aqui sobe isso, e na verdade a agua carrega e refresca mas tambem leva algumas coisas, na volta da onda.

Pensando bem, ha umas quantas que podiam ir... Pode ser esse tal certo dia (certo).