Sinopse da minha história – para se entender um pouco do que hei de escrever à frente...

Era uma vez uma Princesa. Ela parecia a antítese das Princesas, rebelde e geniosa, mas no fundo, na verdade, era uma menina frágil e doce, que só queria encontrar o Amor. Um dia acordou e estava apaixonada. Ele era o seu Príncipe, o seu encanto. Era um Amor de paixão, devastador, total. Era mágico. Mas de tanta paixão não viu, não quis ver, que aquele homem e aquela relação eram um engano. Um dia casou, cheia de esperança, cheia de Amor. Depois de uns anos de tormento, acabou num desespero tal que quase se perdeu. Mas acordou e conseguiu fugir a tempo. Finalmente encarou a verdade: não merecia aquela indignidade. Deixou-o, perdeu o Amor, e acabou a sentir-se um trapo, um farrapo que levou muito tempo a recuperar-se.

Depois foi Princesa outra vez. Mas não, desta vez não queria o conto de fadas. Nada disso. Agora ela era pragmática, crescida, escaldada da desilusão e do sofrimento. Ele não era nenhum príncipe, mas afinal, pensava ela, de que me serve um príncipe? Não, não. Eu preciso é de alguém prático que tome conta de mim, que me deixe espaço e não me exija muito em troca. Que esteja ali, pronto, mas que não se chegue muito perto. No fundo era um amigo, um bom amigo, que parecia um rochedo que havia de ali estar para sempre, assim uma espécie de seguro de velhice. Parecia certo.

E a Princesa queria ser mãe. Não – queria uma família. E uma família precisa de estabilidade, de segurança e de sensatez. Não de loucuras de Amor e paixões ardentes. Ela não queria casar, mas para ele era fundamental. Muita discussão (sem gritos, claro, tudo muito civilizado), e o relógio a tictar, e ela a pensar que tenho de me despachar, estou a chegar aos 30. E depois a concluír que não podia esperar mais, que aquilo era quanto-baste, que aquilo até funcionava, e porque não assinar o raio do papel.

Pois é, mas tudo tão certo, tão lógico, tão seguro, que a falta de chama acabou por consumi-la, agora de uma maneira diferente. E afinal o rochedo era de areia, e a ela é que se exigia a força de segurar as pontas. E lá foi a Princesa outra vez ao tapete. Derrotada. Isto também não serve, não chega. E, pior que tudo, lá foi a família que ela queria, agora mãe, mas sem lar para o filho, a carregar a culpa do mal que lhe fazia, a culpa de ter tomado a decisão errada, não agora, mas lá atrás. E convenhamos, não adianta mesmo chorar sobre o leite derramado. O erro lá atrás não se desfaz.

E agora? Agora a Princesa às vezes chora, quando pensa no que deixou para trás e nas dificuldades que tem de encarar, de que não pode fugir. Às vezes está feliz, quando pensa que apesar de tudo está viva, e ainda tem muito para dar, e está a redescobrir-se e a gostar do que vai vendo. Mas tem dias. Às vezes não gosta do que vê e consome-se a pensar no que fazer para mudar as coisas. Está perdida e sente-se sozinha, tremendamente impotente perante o atropelo da vida, totalmente incompetente para fazer melhor.

Dois divórcios aos 35 é demais. Quem não me conheça, o que vai pensar?? Parece coisa de alguém com problemas, problemas graves, ou de alguém que encara o casamento, e o divórcio, com uma certa leviandade. Mas ela não é assim. O fracasso dos dois casamentos é o maior tormento que tem. Se sente que tem desculpa de peso para o primeiro, também sente que tem culpa de peso para o segundo. E vice-versa.

Teve o amor de paixão escaldante e o amor-amizade morno. Nenhum resultou. Mas das duas vezes acreditou que ía resultar. Da primeira vez mais instintivamente, da segunda mais racionalmente. Mas não foram decisões precipitadas ou levianas. E foram levadas muito a sério, com verdadeiro esforço de construção de uma história bonita, de uma família feliz. Chegar à conclusão de que não se pode fazer mais, de que aquela relação não tem sustento, que nos faz mal, que nos está a destruír, é muito duro. Tomar a decisão é um processo longo e cruel. E chegar à verbalização dessa decisão é uma agonia.

Penou e penou a Princesa. E depois, apesar de uma leveza de espírito por ter finalmente conseguido o divórcio (porque isto no nosso país é preciso lutar para uma pessoa se divorciar), também houve uma tristeza que a assolou de repente e uma angústia de não saber o que a espera, para onde a leva a vida. Nos dias de lágrimas é um susto pensar no que a vida pode esconder. Nas surpresas que ainda nos pode reservar. No mal que ainda nos pode fazer.

E a Princesa, que da primeira vez em que se recuperou, embora desencantada, achou que era o máximo, que tinha uma força, ah valente!, e um insight único sobre o que devia procurar para ser feliz, agora é uma Princesa que sente não há hipótese, que isto das relações humanas é uma merda, e isto do Amor é uma treta, e não há psicanálise que nos valha. E agora sente esses dois fracassos como uma fragilidade e não como uma vantagem, como um decreto, uma sentença final, não como uma nova oportunidade.

O futuro? Que grande incógnita. Agora sim, pela primeira vez. Porque antes, cheia da irreverência e da arrogância da juventude, achava que sabia e podia tudo, que não ía errar, que nada ía falhar. Depois, no rescaldo de acordar dolorosamente para a vida, mas orgulhosa das cicatrizes e das rugas que achava que, afinal, lhe davam carácter, achava que estava muito à frente e sabia muito bem o que fazer – a mim não me enganam mais!

Mas nada disso. Enganou-me, enganei-me, e bem. E agora não há a magia da ignorância juvenil, nem a aparente solidez da maturidade de quem chega os 30. Agora sim, há um vazio. E o relógio tictou, e os anos passaram, e eu não sei quem sou.

(E vocês também não – o que é um verdadeiro consolo!)

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