Lastros

Um dia o meu ex-marido ligou-me. O segundo, que do primeiro nunca mais tive notícias – graças a Deus! Do segundo tenho um filho. Por isso, muitos contactos. Dos que não são por questões práticas, agora menos, cada vez menos (graças a Deus!), houve dois que me incomodaram. Uma vez:

“Tenho sentido muito a vossa falta. Dele e tua também.”

Não, vocês não estão a perceber. Para mim o meu casamento acabou há anos. Ao fim de uns meses a ponderar a decisão de me divorciar, lá fui fui finalmente falar com uma advogada e depois andei 8 meses a penar, num ping-pong de advogados, acordos e desacordos, burocracias, e finalmente uma “conferência” que tornou tudo final. Desses 8 meses, tive de esperar 5 meses para poder sair de casa. Sem papeis assinados, era “abandono do lar”: nem pense nisso – dizia a minha advogada – pode perder a custódia do seu filho.

Foram os meses mais difíceis. A arrastar-me no escritório para não ir para casa, a fumar cigarros na garagem antes de entrar, a procurar coragem na nicotina para o enfrentar, para jantar à mesma mesa, escondendo do meu filho as brigas, as lágrimas e os cobertores na sala.

De repente diz que sente a minha a falta. E eu engulo em seco, porque não sinto a falta dele. Porque para mim esses meses foram um calvário e sinto-me tremendamente aliviada de ter chegado ao fim. Pese embora a tristeza, e a angústia de saber que não é um caminho fácil o que tenho pela frente. Pior – não sabendo sequer qual é o caminho que tenho pela frente, em que futuro me lancei, em que abismo me precipito. Digo-lhe o quê? Que sei. Pois sei, porque sei que ele não queria o divórcio. Mas também não me queria realmente. Só que ele não quer ver isso, e já não me compete a mim mostrar-lhe.

Outra vez, recebi um SMS, no dia em que faríamos 6 anos de casados. Mensagem difícil. Dizia que se tinha lembrado de mim porque “foi num dia destes que fizeste de mim o homem mais feliz do mundo”. Respondi no dia seguinte, a lembrar-me de uma coisa bonita que a minha Mana me disse um dia. Não me lembro das palavras exactas, mas a ideia é que dizer aos outros que são especiais para nós é uma dádiva imensa. De certa forma, foi o que ele fez com a mensagem dele e tentei olhar para isso dessa maneira mais bonita, e não como um fardo, uma recriminação, o discurso do coitadinho. Respondi então a agradecer as palavras, disse-lhe que era bom saber que tinha sido uma coisa boa na vida de alguém, e disse-lhe que também tinha boas memórias.

E é verdade.

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