Vento

Olho para dentro de mim, pelo que vazei em tempos idos. Escuto-me, nas palavras que larguei e que agora me varrem, como um vento que entra pela janela, que desarruma a casa, espalha as ideias, papel, que esvoaçam e assentam, cansadas, nos mais insólitos lugares. Espanto-me de mim própria. Espanto-me de não ser eu própria. Pergunto-me para onde deixei fugir aquela voz, onde esqueci aquele léxico que me permitia ser tão completa em linhas que me alimentavam, fazendo-me mais nítida e certa dos passos que dava e mais segura dos passos que não queria dar. Arrepio-me com esta corrente de ar que me despojou do ser que não sou, trazendo-me friamente àquilo que sou e de que ando a fugir. Para a frente, sempre para a frente. Mas em fuga. Acreditar também é fugir, quanto mais não seja, da realidade. Abro os olhos e vejo claramente que estou no mesmo lugar, voltei ao ponto de partida, com o peso da evidência irrefutável. Não adiantou de nada tanta luta, tanto esforço, tanto empenho, em tantas frentes diferentes. Mais prova, menos batalha, mais desilusão, menos mágoa, no fim fica o mesmo gosto acre, o mesmo toque frio do destino, a impor o seu cunho cruel, sorvendo os restos da fé. Fé - que ingenuidade. Baixo os braços cansada, descrente, desencantada. Talvez adormeça. E acorde mais certa do que sou, mais segura de para onde vou, mesmo que não seja para o destino que me desenhei, e em que acreditei.

2 comentários:

Hospício Temporário disse...

Fantástico o que faz com as palavras. Seu final é alegremente depressivo (É, eu sei, agora minhas palavras que não fazem sentido).

abraços

CB disse...

Beleza de Ser,
Obrigada. "Alegremente depressivo" é um conceito deveras interessante. Um pouco esquizofrénico, mas mais certeiro do que gostaria de admitir.
Abraço de boas vindas