Cronómetro

Diz que faço “lutos tão difíceis”. Porque guardo o sal da dor o mais que posso, que aguento. E ando demasiado tempo a remendar o dique que imponho à alma, de cada vez que uma fuga me leva a dor aos olhos. Talvez. Sim, talvez seja mais difícil assim, que assim se prolonga a dor no tempo, atrás do dique que, por vezes, explode violenta e devastadoramente, e outras vezes fossiliza-se encapsulando a dor. Ou talvez não, que assim se calhar dói mais tempo, mas menos de cada vez.

Um dia falaram-me no conceito de cronometrar a dor, deixar doer tudo o que tem a doer, mas com um prazo, um tempo certo. Porque, diz, é preciso dar tempo à dor, mas é também preciso limitar-lhe o tempo. Mas quem sou eu para definir quanto tempo é o tempo certo para que doa tudo de uma vez? Impor um prazo a esse tempo não significa, também, remendar o dique ao toque do cronómetro? E se posso fazer stop ao relógio, nem sempre posso fazer stop à dor.

Há dores que só se podem mesmo gerir assim, como eu faço quase sempre – aos poucos, quando foge, ou quando a deixo soltar-se um bocadinho. A única coisa que entretanto aprendi é que, mesmo que aos poucos, é preciso ir largando, e não deixar encapsular. E assim, um dia, pode-se destruir o dique sem a invasão devastadora da água. Que o nível vai baixando aos poucos, não só pelo tempo que passa, mas pelos tempos em que deixamos escoar – um bocadinho de cada vez. Esses bocadinhos - sim, esses talvez-, cronometrados pelo limite do que se suporta a um momento. E quando já não é preciso cronómetro, então é porque é já pacífico que o residual que ficou, que fica sempre, é apenas uma marca do tempo.

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