Probabilística

A convicção é, aparentemente, que não podemos ser, decidir, amar, se não com a escolha de uma das faces da lua - emoção ou razão. E a vida parece que nos empurra à condenação do lado emocional como raiz das maiores dores, fazendo do racional o escudo de protecção.

Já passei pela paixão louca, contra tudo, contra todos, contra a própria razão, numa entrega surda e pura, de coração. No falhanço, destilei que daí resulta, inevitavelmente, a culpa de não ter ouvido “a voz da razão”. Havia, sim, coisas que “já sabia” e que ignorei, convicta de que um amor assim tão forte podia tudo. Podia nada. Também já passei pela construção racional de uma relação, convicta de que chegava a trégua mansa que sabia bem, sem borboletas na barriga. Na falha, acabei a destilar que, afinal, devia ter ouvido “a voz do coração”. Também havia coisas que “já sentia” e que fiz irrelevantes face à lógica sensata de uma coisa tão direitinha que só podia ser amor. Mas não, também não. Um aborrecimento, uma modorra, não pode ser amor.

Hoje estou presa numa terrível mas insofismável condição: não volto a alimentar relações sem verdadeira paixão, mas no início de uma paixão, dificilmente me liberto das premissas, seguras embora viciadas, da voz da razão. Somar racionalidade à realidade resulta em solidão, porque a realidade é que é extremamente difícil encontrar a pessoa certa e, ainda, haver paixão recíproca. Assim, mesmo quando se desenha uma possibilidade no coração, no meu perfeito “juízo” compenso com uma racional oposição. Tenho pena de não conseguir fugir a isso, porque tenho vontade de acreditar, de sentir, de correr o risco. Mas recordo inevitavelmente que cada erro que se faz na busca dessa quimera custa muito, tanto, demasiado, e um  instinto de sobrevivência atira-me com a estatística: é sempre um salto sem rede, ou sobre uma rede esburacada, e é imensa a probabilidade de acabar no chão estatelada.

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