Medo da Verdade

Ela diz-me, finalmente não contendo as lágrimas, "tenho medo de dizer a verdade". São anos de vida que lhe passam pela frente, quando equaciona responder à pergunta - com verdade. Foram anos de vida que se desgastou, que se aburguesou, vida que assim a desgostou e esgotou. Foi a vida, como sempre é, como sempre preferimos achar que é. Diz que foi ela, a vida, que os levou pelos caminhos da crescente indiferença, pelos becos dos silêncios consentidos, pelas veredas do egoísmo. E um dia explodem em palavras amargas e cruas, espelhos de mútuas incompreensões, e no fim há malas à porta, e duras, durísimas despedidas. Mas ela sente: ela não queria as malas aviadas, mas não queria aquela podridão instalada. Ela ainda o quer, só não quer aquela vida. E ele vai, põe um fim à vida que ela não quer, mas deixa-lhe outra que ela não sabe viver. Ela diz que ainda o ama mas, com verdade, ela sabe que ele já não é o homem que ela quer e, com verdade, ela não quer responder. "Mas tu achas que ele já não sente nada por ti?"    

Todo o amor que chega ao fim é triste. Mas é mais triste um fim de amor assim. Estes perderam-se um do outro, ela quer procurar regresso, e ele já partiu. Só não posso dizer-lho assim, por isso consolo-a - o tanto que pode consolar um ombro para chorar. Que é pouco, sei bem que sim, mas até ela perder o medo da verdade, só me resta estar lá, segurar-lhe a mão, e continuar a perguntar. Deixou-me angustiada, por ela, mas também porque me fico a perguntar de quanto fugimos da verdade, do quanto a queremos esconder, por vezes nem mesmo com a coragem de admitir que temos medo de a dizer. 

2 comentários:

1REZ3 disse...

Falo por mim, mas chega o dia - o 'quando' é o mais complicado - em que, seja o momento e a razão que for, abrimos os olhos. E percebemos que afinal a verdade que tanto faziamos por ocultar não é, afinal, tão chocante e abrupta quanto isso.
Claro que depois há o: "o que fazer a partir deste momento? Para onde vou e como vou?"
Aí, só o tempo e a disposição dirão.

Bj gd.

...

CB disse...

Noya,
Nestas coisas, cada caso é um caso. Os olhos abrem-se por vezes muito depois. Há sempre um luto para fazer e ninguém o faz da mesma forma.
Beijo