A prisão dos "ses"

Anos depois do fim, espanto-me esta madrugada com uma mensagem de algém que diz que ainda me ama e que cada amanhecer é mais um dia de luta em que sente a minha falta. Uma mensagem cheia de "ses", à luz do sol a nascer e a pensar "se" poderia ter sido diferente, "se" ele tivesse isto e "se" ele tivesse aquilo. Não é a primeira vez que recebo algo do género - a última foi há pouco mais de um ano. Tal como então, esta mensagem entristece-me, parte-me o coração. Custou-me tanto - e custa - ver o quanto a minha partida lhe fez mal, mas saber que ficar me faria pior a mim. Nada na minha decisão, longamente pensada, pesarosamente equacionada, mas tranquilamente tomada, mudaria "se" ele tivesse isto ou aquilo. Os nossos caminhos afastaram-se, gradual e subrepticiamente, à medida que cada um de nós mudava na sua própria corrente. E se esse caminhos têm volta, que às vezes têm, tal como as mudanças individuais às vezes afastam mas às vezes aproximam, já o amor quando falta ou acaba é definitivo.

Custou-me tanto - e custa, ver uma transformação operar-se na pessoa que eu escolhi para viver comigo o resto dos meus dias. E é verdade que eu nunca cheguei a amá-lo realmente, e que também mudei, como todos mudamos - mas o amor que quis não veio e nós não mudamos no mesmo sentido. E dessas mudanças, o que mais custa, nem sempre é ver que houve uma mudança, mas antes saber perdido aquilo que foi antes e que eu queria que viesse a ser. Nunca saberei "se" foi isso, ou apenas isso, mas sei que um dia acordei a conseguir dizer que já não havia hipótese de amor, que aquela já não era a pessoa que tentei amar um dia, que nada de mim e da minha vida, das minhas motivações e aspirações, ía junto com o outro. Ficar era um preço demasiado alto para eu pagar.

Às vezes lembro-me dele assim - assim como era o homem que escolhi, pai do meu filho. Às vezes, ainda, ele lembra-me o mesmo, quando me surpreende com atitudes desse ele de antigamente, que conseguiam compensar a falta de um amor mais tradicional. Mas sei que o que foi, já foi, e nada o mudará, enquanto continuará em mudança o que ele é, e o que eu sou, em caminhos tão, mas tão distantes. É angustiada que lhe respondo que a vida não pode ser feita de "ses", mas é de coração que tento animá-lo e lhe garanto, ainda, a minha amizade. A maior pena que tenho é que, mesmo depois de anos de guerrilha e do tanto que fez por me magoar, ele ache ainda que é amor, e mo escreva assim, preso nos "ses", deixando-me também a pensar: quem será o homem que realmente me amou? E "se" foi amor, será que um dia vai passar? E "se" foi, merecerei algum dia o amor de um outro que possa reciprocar?

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