Dar Nomes às Coisas

As palavras têm valor, maior do que o seu simples significado no dicionário. As palavras dão nomes às coisas, e é só com a sua escolha certa que podemos dar-lhes existência real, e depois articulá-las, construindo frases e textos que as substantivem, que as expliquem, ou relativizem - correctamente. E tudo são coisas à nossa volta, e tudo são coisas dentro de nós. Nem sempre de significado claro e, tantas vezes, perdemos-nos por esse caminhos fora, sem entender muito bem que nome leva a estrada que escolhemos, que nomes escondem as pedras que nos atrapalham o passo, que nome leva a areia que nos escorre pelos dedos. 

É preciso dar nomes às coisas e, sobretudo, "chamar os bois pelos nomes" (recorrendo à sabedoria popular) - é que é fundamental nomear, mas com propriedade. É preciso saber dizer “tenho dúvidas”, em vez de emitir um julgamento apressado só para dizer que se sabe o que é. É preciso saber dizer “tenho medo”, em vez de nos refugiarmos em argumentos lógicos de sensata cautela, é preciso saber dizer “custa-me”, “dói-me”, em vez de encolher os ombros e dizer que são coisas da vida ou do destino que fingimos aceitar. E depois fazer perguntas até obter a resposta certa, verdadeiramente condensadora, até responder claramente a “isso é o quê - qual é a palavra?” (como diria alguém que conheço). Também é preciso saber dizer se uma coisa é “amizade”, ou se já não é, ou se ainda não é. E se outra coisa é “amor”, ou se já não é, ou se nunca foi. E saber dizer o que é cada coisa afinal. É fundamental dizer o nome daquilo porque sofremos ou lutamos, que descartamos ou em que acreditamos, saber dizer o nome de que são feitas as coisas que somos, que sentimos, que vivemos.

Como escrevia ontem das lágrimas presas, que no misto do que sentia não sabia bem de que eram feitas: "Até a elas é preciso dar um nome para que se resignem a existir." E sinto o mesmo com todas as coisas de mim que vagueiam por dentro, sem verdadeira existência porque ainda sem nome, e que, porque não nomeadas, não articulo num texto que faça o mínimo sentido. Mas, atenção: não é uma escolha fácil. Porque depois de materializar a coisa, não há como fugir dela. Seja ela o que for, e tenha as consequências que tiver no texto com que se vai escrevendo a vida e nos vamos descrevendo a nós; seja uma pacificação, seja um tumulto, seja simplesmente deixar correr umas lágrimas.

2 comentários:

1REZ3 disse...

É desejo, é ansiedade, é Amor - tão concreto e natural como respirar.
Mas é também sofrimento, incerteza, ansia pesada e sobretudo medo. Medo de a perder e me perder. No fundo sinto-me numa passadeira rolante que gira no sentido contrário à minha caminhada. Por mais que dê passos em frente, mantenho-me na mesma posição.
Por minha causa ou dela? Ou por nós? O tempo dirá...

(Assim como demonstrará que a paciência, a generosidade e o coração têm limites)

CB disse...

Noya,
Pode ter muitos adjectivos, encerrando muitos sentires (até contraditórios). Mas qual é a palavra? Cabe-te a ti escolher a que queres usar para escrever a história: se amor, se medo. Dentro dos limites com que te defines, naturalmente...