Clarice Dixit

"O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo."

Sim, sim, um enorme sim ecoa em mim ao ler esta frase! Este mesmo conceito norteou-me tantas vezes, sobretudo quando andei a navegar, uma casquinha de noz frágil e indefesa, por mares revoltos e castigadores, que me fustigaram com duras tempestades. E, talvez por isso, olho agora a frase, e olho esses tempos atrás, e fica-me um gosto um pouco acre ao perceber que a tormenta realmente insuportável é não sabermos porque havemos de lutar, porque o mar calmo não nos permite ver com clareza aquilo de que não podemos desistir. Será que apenas uma qualquer guerra ou tempestade nos permite ser o que somos? Ou será que só queremos ser as nossas maiores qualidades, as grandes virtudes, evidenciadas mais claramente a combater uma qualquer tormenta? Também se devia poder ser, completo, com qualidades e defeitos, sem ter de provar valentia e coragem, bramindo uma qualquer espada contra as agruras da vida. Nos tempos de calmaria, o que nos falta é a guerra. É a isso que recorremos para firmar objectivos, é a isso que recorremos para nos atribuirmos sentido. E na ânsia de semear ventos, colhendo as fatídicas tempestades esclarecedoras, esquecemos que o mar não nos pertence. E o mar também nos pode engolir na calmaria, quando navegamos num leve ondular. Não deixa grandes epopeias para contar, não parece um grande mérito, nem merece medalhas de coragem, mas exige muito maior força de vontade para não desistirmos de navegar - escolher o rumo, escolher o destino, e mover o barco - ou ser tragado silenciosamente. Há muita gente à deriva por isso mesmo, apenas à espera da próxima tempestade para sentir que existe, sem perceber que se não se pode escolher existir na calmaria é porque, no fundo, já se desistiu de si próprio. 

6 comentários:

1REZ3 disse...

As vezes são as tempestades que nos escolhem, mesmo quando queremos ser nós próprios na calmaria do mar... Ou então não vivemos mesmo sem tempestade. Eu sei que sou feliz na calmaria mas sei também o que me faz falta. Não no sentido de me encontrar ou completar, mas sim numa elevação a um estado totalmente diferente e indefinivel.

(Também arranjas cada metáfora... :))

CB disse...

Noya,
Não me referia propriamente ao conceito de felicidade. Até porque quase nunca nos assumimos felizes no meio de uma guerra. Referia-me à noção de ter sentido, de reconhecer a própria essência, sem necessidade de o estabelecer a gritos ou toques de espada. Existir apenas, sem um luta, um objectivo concreto pelo qual se luta, parece esvaziar-nos. E não devia - devia deixar-nos, pelo contrário, ser mais autênticos, em serenidade. Mas, talvez, como questiono no texto, sem essas guerras não possamos provar o que julgamos serem as maiores qualidades, ou aquelas que queremos que nos espelhem.

(E sim, as minhas metáforas às vezes são um bocado torcidas, sorry... :))

1REZ3 disse...

Cara Princesa (sorry),
a minha essência é essa mesma, ser feliz. De facto tive que procurar no que escrevi para perceber onde tinha falado da felicidade. Não foi com esse sentido que o fiz. E sim, defacto - tslvez seja triste essa condição, não sei - é nas "guerras" que assumo e consciencializo as minhas forças ou, melhor, quem sou na realidade. Pena ser só nesses momentos...

CB disse...

"Caro" Noya,
Dizes "é nas "guerras" que assumo e consciencializo as minhas forças ou, melhor, quem sou na realidade", tal como acho que acontece com quase toda a gente. Questiono-me se, na verdade, é nessas alturas que "somos quem somos", ou antes o que achamos que devemos ser, ou o que queremos transparecer. E o que sobra nos outros momentos de calmaria?...

1REZ3 disse...

Ok, concedo-te essa, sou quem sou na realidade mas acima de tudo sou quem queria ser mais vezes. Ou seja, não sou quem sou constantemente.
O que sobra? Suspiros e esperanças...?

CB disse...

Noya, e isso mesmo... Mas ocorrem-me outras coisas que também sobram. Nenhuma digna de grande nota.