Nas malhas da rede


Nascemos envoltos pelas malhas dos que nos circundam e sustentam. A malha da nossa rede, aconchegante e segura a princípio, vai-se esticando, entendendo, alargando o nosso mundo à medida dos que abraçamos. Mas a rede não é sempre segura, nem sempre ampara a queda, por vezes enreda-nos, prende-nos no emaranhado que cria à nossa volta, ou larga-nos desavisados, tombados de um buraco, uma fragilidade da rede que não vimos nem esperamos, onde o abraço afinal não chega.

E então, as desilusões, as decepções, o acordar para a triste realidade de que nem todos são o que aparentam, alguns não sentem o que dizem sentir, nem sempre a rede nos sustenta, o desencanto faz-nos dar razão ao ditado do "mais vale só que mal acompanhado". Começam a cortar-se laços, a reduzir a rede, e com o tempo ganha-se à vontade para, e vontade de, reduzir cada vez mais. Até ser exígua a rede, de malha apertada, que não nos segura – antes nos prende, enredados em nós próprios, sem espaço de humanidade. Solitários, cortados os laços, minadas as pontes, fechada a rede na curta distância do seguro, na ilusão de que só até ali chega o abraço; e tristes, sentindo a falta dos outros. 


"Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo."
Antoine de Saint-Exupéry.

10 comentários:

Bípede Falante disse...

Coincidentemente, hoje estou usando uma blusa cor de vinho tramada como uma rede. Por baixo, tenho uma justinha da mesma cor porque ainda não cheguei ao ponto de andar quase nua, mas a verdade é que me sinto um tanto envolto em uma malha.
bj.

CB disse...

Bípede, coincidências... :) Mas "envolto" é muito melhor que "enredado", ou mesmo "apertado". Mas é verdade que as redes também têm essa característica da transparência.
Bj

Anónimo disse...

Mana..

será que às vezes não nos esquecemos também de não deixar esgaçar o pano? Será que, por termos frio sozinhos nos esquecemos de aconchegar o outro, e da manta dele fazer um patchwork mais coeso?

(A minha casa tem sempre biscoitos de melaço para ti, à tua espera. São os teus, têm o teu nome no rótulo gravado a fogo e são "sempres" sem caducidade. Queiras tu vir sentar-te aqui, entre uma chávena de chá, uma almofada, entre risos e choros e colar cacos e fazer puzzles e desafiar a gravidade com sonhos e aterrares em chão fôfo quando a realidade te atar um cordelinho ao dedo do pé.)

CB disse...

Mana, o esgaçar do pano, sim, por vezes propositado, como escrevo, por vezes por desleixo, não deixa de ser inevitável na condição humana.
(obrigada minha querida. E possa eu, que há alturas em que o atropelo da realidade, e o estalar dos cacos, precisa do frio da solidão e do chão duro para que a queda doa mesmo, tudo o que tem de doer de uma vez por todas, que por vezes ajuda uma desculpa razoável para deixar correr a tristeza, correr o seu curso, correr e passar, eventualmente, parece que melhor no silencio. Bj grande)

Anónimo disse...

que belo momento de prosa que aqui se destilou. parabéns pelo prazer e pelo partilha. a rede tem múltiplos buracos, são pontos de fuga, também. nunca se sinta enredada, veja isso pelo outro lado, sinta-se "envolvida" pela rede, ela comprime mas protege. não tira o frio mas deixa transparecer o que vai no seu interior, sem filtros. falamos apenas de uma malha quente de ponto largo.

Anónimo disse...

Mana...
oya, oya...
gosto muito de ti, meu coração.

CB disse...

Anónimo,
É um bom ponto de vista, mas nem sempre claro de dentro da rede. Sobretudo quando se tem tendência a embaraçar qualquer meio metrinho de fio.

CB disse...

Mana, também eu gosto muito de ti! :)

Pulha Garcia disse...

Tens muita razão, princesa. Vivemos em travessias no deserto, em parte porque deixámos de procurar. E o toque de citares Antoine de Saint-Éxupery foi supremo.

bj sacana

CB disse...

Pulha,
Não só deixamos de procurar, como nos impomos o deserto muitas vezes.
Este autor ficou-me marcado como a voz do meu avô, que mo apresentou; sintetiza fantasticamente muitas das lições que ele me tentou passar, apesar de eu não ter sido sempre uma boa neta-aluna.
Bj