Natal



Escrevo sobre o Natal, por causa do desafio da Fábrica de Letras. Mas não inscrevo o meu post, porque eu não gosto do Natal de 25 de Dezembro. O Natal passou a ser sinónimo de tudo menos do seu espírito original. Para lá das festividades religiosas, que já poucos vivem a sério, devia ser tempo de paz, de reconciliação, de comunhão – dar e receber, num voto de perpetuar esses bons sentimentos em acções ao longo do ano, ao longo da vida.

Há quem ande com um sorriso parvo na cara, só porque é Natal. Como se a aproximação do dia 25 de Dezembro, patenteada pelas montras e iluminárias da cidade (e desses infernais micro cosmos chamados de centros comerciais) lhes desse autorização para sorrir, e fingir por uns quantos dias que são felizes e contentes. Como se isso apenas justificasse fazer aquele telefonema, ou vá enviar aquela SMS, que cartões à séria quase ninguém envia, aos amigos e familiares com quem não se fala o resto do ano, porque nem se pensa neles.

Oferecem-se “lembranças”, porque é da praxe, e não porque apetece dar. E escolhem-se os presentes seguindo os dítames da febre consumista alimentada pelo marketing asqueroso da época (que cada vez começa mais cedo), e até por exibicionismo. Ou com requintes de malvadez, ou como forma de redenção dos “pecados” do ano todo.

Continua a falar-se na festa da família, mas quais são hoje as famílias que são, de facto, “família”? Muitas só se vêm no Natal, e não porque lhes apetece especialmente, simplesmente porque tem de ser. É assim como os casamentos, baptizados e funerais: é uma chatice, mas é um dever, e à excepção dos funerais, sempre se come bem.

Para mim, é apenas uma farsa montada para fazer dinheiro a uns poucos, esvaziando os bolsos da grande maioria. Quem eu quero perto, amigos e familiares, eu mantenho perto o ano inteiro. E prefiro mil vezes um telefonema numa altura improvável do ano de alguém que, simplesmente, pensou em mim, do que as parvoíces das SMS que circulam por aí, enviadas em série para todos os contactos da agenda telefónica. Se durante o ano, noutro dia qualquer, me apetecer dar um presente a alguém, é provável ouvir “mas é Natal?!”. Pois eu gosto de dar quando me apetece dar, e não quando é suposto porque é Natal. E por muito que goste de embrulhos bonitos, gosto muito mais de receber pequenos presentes de real lembrança ao longo do ano, do que um enorme embrulho de uma coisa qualquer só porque é dia 25 de Dezembro.

Revolta-me o consumismo da época e a hipocrisia. Não suporto a música natalícia. Detesto a correria das compras de última hora e das várias visitas, jantares e almoços, a marcar o ponto com as várias “famílias”. Detesto receber presentes que sei que não foram escolhidos “por mim”, e destesto, sobretudo, que no dia seguinte tudo volte ao “normal”, restando apenas aquele ar deprimente de fim de festa, com inevitáveis rastos de sujidade e desordem por limpar e arrumar.

Eu faço os meus pequenos Natais ao longo do ano, com aqueles que considero “família”, às vezes um de cada vez. No dia 25 de Dezembro, faço greve, e entrego-me à saudade daqueles poucos especiais com quem, em cada dia do ano, já não posso fazer os meus Natais.

Faço excepções dando presentes a alguns, mas escolho invariavelmente coisas da Unicef, e faço a excepção de sorrir para o meu filho, que na sua inocência infantil, ainda vive este dia com um brilho de fascínio nos olhos à vista dos presentes coloridos, e que é feliz com cada coisa que descobre dentro dos embrulhos, abertos com dedos lambuzados de açúcar e canela. Eu já nem me lembro do sabor desses dedos melados e muito menos da inocência e da alegria do momento. Nesta altura, lembro-me sempre mais de que quase todos esquecemos que há muito quem não possa ter Natal, em dia nenhum das suas vidas.

4 comentários:

3dete3 disse...

Ainda bem que assim pensas, pelo menos já não sou o único.
Mas eu adoro o Natal (o factor "iluminatório" tem peso, realmente), pela sua envolvência. Mas mais que isso porque amo a minha família (ao longo dos 365 dias - ou 366) e "amo" a minha malta. Cada vez mais, a cada dia que passa mais os "aproveito".

CB disse...

de.les.a.les,
Obrigada pela visita. Eu também gosto do Natal, mas é desse que faço o ano todo. Do que não gosto, é do de dia 25 de Dezembro.

1REZ3 disse...

Desculpa, princesa, pensei que tinha entrado com o meu utilizador e entrei com precisamente o de uma das pessoas que constam da minha lista de dedicação anual :)

CB disse...

13,
Obrigada pelo esclarecimento. :)