Mea Culpa

Um filho muda tudo, muda-nos a nós próprios. As prioridades reorganizam-se, as liberdades restringem-se e as responsabilidades aumentam de forma exponencial. Deixamos de ser moléculas independentes e passamos a ser orgão vital, não podemos parar, não podemos desistir. Os filhos dependem de nós e sofrem as consequências de tudo o que erramos. Mas um filho não é um sentido para a vida, não é uma razão de ser. Um filho é uma responsabilidade, é um projecto de que não se pode desistir. É uma lição de amor e uma satisfação, tanto como é uma lição de preserverança e sofrimento.

Quis muito ter um filho, pensando que tinha encontrado o pai perfeito que ía comigo construir uma família. Não podia advinhar a volta que a vida ía levar. Não me arrependo de ter o L, mas também me entristece tremendamente que não o possa ver crescer no meio de uma família a sério. Não seria a minha escolha se tivesse visto o futuro.

Custa-me tê-lo longe, a chorar ao telefone a perguntar-me quantos dias faltam para eu o ir buscar, ou para ir “para casa da mãe” porque, dizia-me ele, está triste. Foi a primeira vez que me lembro de o ouvir verbalizar uma emoção espontaneamente, e foi logo a tristeza que escolheu. Fracasso de mãe, penso no imediato. Mas eu sei que sou para ele a melhor mãe que sei e consigo ser, nas limitações da minha condição humana e na impotência contra alguns desvios do destino. Sei que não posso evitar-lhe todo o sofrimento e não posso garantir-lhe felicidade permanente. Sei agora e sei agora o quanto dói.

Preferia não estar na situação de ter de o “visitar”, mas fui matar saudades, minhas e dele. Conversamos a vêr o mar e depois jantamos pizza. E lá tive de deixá-lo com o pai, com as lágrimas e os abraços que não se querem desfazer. “São só mais 5 dias e depois vamos de férias, só nós dois, 15 dias, que é imenso!”, digo-lhe eu com todo o entusiasmo que consegui espremer de mim. E ele responde que isso é “taaaanto”, que “é uma mão TODA”...

Ainda tinha esperança de viver a experiência da maternidade outra vez de uma forma mais tranquila, mais feliz, com uma verdadeira família. Mas não sei já se teria coragem. O que sei hoje é que, como ouvi alguém dizer, não quero mais nenhum filho “de” – quero eventualmente um filho “com”. E sei que mesmo com os sinais certos todos, e anos de provas olímpicas ultrapassadas, será sempre um risco, para mim e sobretudo para um hipotético segundo filho, a quem amando de antemão, assim talvez prefira não dar existência. Sei que para poder pensar no assunto a sério é preciso encontrar um Amor e que este, sem laços de sangue, não é matemático, não tem modelo, norma ou garantia. É um monte de sortes, acasos e paradoxos e, ainda por cima, é uma coisa volátil... Sei hoje o que sobra quando evapora, e sei que uma criança precisa tanto de uma mãe como de um pai, e mais que dos dois em alternância, precisa de uma família.

Mea culpa meu filho, que me perdoes um dia porque não soube o que fazia.

8 comentários:

Pulha Garcia disse...

Discordo, Princesa.

"mas também me entristece tremendamente que não o possa ver crescer no meio de uma família a sério" ? Tu és a família a sério dele. Porque estás divorciada isso não significa que não possas ser tudo aquilo (e mais ainda) do que ele precisa.

I believe in you, ma dear.

Francis disse...

também venho discordar...

quem expressa sentimentos como tu e quem tem a noção da realidade tão bem definida como tu a tens, só tens a ganhar e não a perder.
estás, pelo que me apercebi contra a corrente, ou seja ele está com o pai... mas uma coisa te garanto, por conhecimento de causa, mãe é mãe, e não há nada melhor que uma mãe.

1REZ3 disse...

Não há nada que possas fazer em relação a isso agora. Resta-te ser aquilo que pelo menos aqui transpareces. Acredita que tens muito para dar para além da culpa (e espero que não arrastes isso - sei o que é saber de um sentimento desses mesmo passado tanto tempo e sem qualquer culpa).

Se algum dia tiveres dúvidas, mostra-lhe este espaço (isto se ainda não tiveres escrito algum livro ;)). Este lugar tem um grande valor :)

CB disse...

Caro Pulha,
Talvez "família a sério" não fosse o termo certo. Talvez devesse ter usado "família tradicional". Eu não posso ser pai, e não posso deixar de sentir culpa por lhe ter negado poder usufruir dos dois juntos. Posso ser a melhor mãe que consigo ser, mas não deixo de sentir que isso não chega.
Mas obrigada.

CB disse...

Francis,
Nem sei bem o que te responder... Não percebi bem o que tenho a "ganhar", mas sinto que ele ficou a "perder".
Mas acho que acabaste por tocar num ponto que não me era tão claro ou assumido. E isso tenho de ruminar um bocadinho...

CB disse...

Treze,
A culpa fica só comigo, tento que ele não perceba. Vou tentando libertar-me da culpa, ou redimindo-me como posso. Mas gostei da tua sugestão e o valor que vês neste espaço. :)

Apple disse...

Minha querida,
és A MÃE, com a qual o L. é abençoado. A mãe que o ama e protege e acarinha, a mãe que o educa, que o encaminha, que o ampara.Mas tb és a mulher que não se extingue na maternidade e demos graças por isso, porque assim és uma mãe melhor e uma mulher inteira.E tens um filho "com", nascido de um grande amor e isso sobrepõe-se aquilo que veio depois.Não tens de ser mãe e pai, só tens de ser tu, na riqueza que faz de ti quem és e ele crescerá um ser humano equilibrado,no amor que o envolve, independentemente de ter os progenitores a partilhar o mesmo tecto. Não acredito que um casamento, só por si, faça um lar e, um casal infeliz não é certamente o melhor "lugar" para uma criança crescer.

CB disse...

Querida Apple,
É muito verdade que sou mais que mãe, também sou mulher e nessa vertente tantas coisas já sou e tantas mais quero ser. O mais difícil é integrar escolhas conflituosas: o melhor para mim mulher nem sempre é o melhor para o L meu filho, portanto nao faz de mim a melhor mãe. É a que ele tem, que o ama mais que tudo e tenta muito que, apesar desses conflitos e erros, ele possa crescer um ser humano pleno.
De facto, também não acho que fosse melhor para ele viver com os pais debaixo do mesmo tecto numa situação de incompatibilidade e conflito. O que era melhor era não ter de fazer esta escolha de "mal menor", porque se sei que não a pude evitar, também sei que não queria ter tido que optar. Devia ter percebido que isso ía acontecer antes de ser mãe. E quem mais sofre no meio disto é ele. Sinto que lhe falhei. Por isso o "mea culpa".