Agri-Doce?


Hoje acordei de rastos – tipo: “não, não estou nada a ouvir o despertador... Está quieta Maria Princesa e deixa-te mas é dormir”. Tenho-me deitado tardíssimo todos os dias e ontem não foi excepção. Simplesmente nem quero pensar em ir para casa, não me apetece estar sozinha. Então fujo para a confusão. Tudo é mais fácil com o barulho das luzes. E as horas passam sem eu dar por isso mas depois é o diabo para me levantar de manhã. Acho que estou assim um bocadinho a fugir de mim – é que eu sou terrível comigo própria.

De facto, sou muito exigente e crítica de mim, em todos os aspectos. A minha mãe disse-me que tento ser, e projecto a imagem, da “super-mulher”. Não acho que seja bem assim. Eu não “tento ser” a super-mulher e até geralmente me sinto exactamente o contrário: sinto-me fraca e insegura, duvidosa e receosa, e por isso preciso de pensar tanto nas coisas. Mas admito que seja essa a imagem percebida por alguns, porque depois de tanto pensar, reflectir, analisar e, finalmente decidir, sou invariavelmente de uma convicção inabalável. É só isso que parece que os outros vêm, lendo portanto uma pessoa fria, calculada, cheia de força e certezas. Já alguém me disse que eu era uma mulher de coração com a ilusão de o temperar com a razão. E de facto sinto-me um coração a querer mandar, mas a razão a atrapalhar, a confundir sabores e a camuflar aromas com os temperos da lógica, do pensamento analítico, da crítica impediosa. Às vezes chego a perguntar-me se não serei um pouco esquizofrénica! E sei, admito embora não goste de o ouvir, que por vezes me projecto tão ácida como sou doce, sobretudo em situações em que me sinto ameaçada. E sei que isso confunde as pessoas que me conhecem menos, e mal sabem elas que me confunde a mim própria...

Talvez por sentir que sou demasiado coração, tenho uma necessidade absoluta de pensar nas coisas, tomar decisões consciente dos riscos, fundamentar certezas e reforçar convições com a trama da lógica. E tenho necessidade de esconder essa fragilidade no campo emocional, atrás de uma parede de acidez e uma expressão seráfica. Mas perco a espontaneidade, perco momentos e perco-me eu própria nesses raciocínios. Tenho-me esforçado, e quando consigo ser mais espontânea, realmente sinto-me quase sempre bem, apesar de algumas dessas espontaneidades acabarem a ser analisadas tempos depois na categoria a que dei o título (à moda de uma querida vizinha) de: “Loucuras que cometi no impulso do momento ou No que raio estava eu a pensar?! ou Não volto a beber tanto shot de vodka na mesma noite”...

Assim é a vida – um compromisso constante entre razão e emoção, entre planeado e espontâneo. Ainda tenho dificuldades com este equilíbrio e não me consegui decidir ainda se custa mais aceitar um erro resultante de over-analysing e planeamento detalhado, se um erro de impulsividade ou espontaneidade. A diferença mais óbvia é que, mesmo quando é erro, viver no espontâneo é mais fácil, é-se mais feliz pelo menos no imediato, e não se perdem certos momentos a ruminar argumentos e lógicas. E lá estou eu a entrar na análise, até para decidir se devo ou não ser mais espontânea... Mais paradoxos meus. Estas minhas incongruências admitidas, o facto de ser/parecer coração e razão, doce e ácida, insegura e forte, às vezes fazem-me sentir que não sou nem carne nem peixe. E de repente ocorreu-me que estou muito perto de ser um prato chinês agri-doce, um número cheio de “l’s” de uma ementa traduzida de mandarim... Qualquer dia alguém chama um “tlinta e quatlo” e eu respondo “Sim, sou eu...”

Lá se diz que a imagem que temos de nós próprios é sempre distorcida em relação à imagem que projectamos. E eu às vezes pergunto-me onde está realmente a distorção, acabando por concluír que está um pouco dos dois lados. Mas o que sei é que alguns outros por vezes nos vêm melhor que nós próprios, vêm as distorções que fazemos do nosso lado. Os que são nossos amigos têm a generosidade de nos reflectir mais autênticos, mesmo que seja através de uma discussão ou pelo menos de coisas que são duras de ouvir, ajudam-nos a alinhar as duas imagens, a focar no que interessa e a limpar ruídos da imagem distorcida. No fundo, dizem-nos que não somos um “tlinta e quatlo” e obrigam-nos a estudar o menu outra vez... Bem hajam esses amigos, que eu nem sou fã de agri-doce. Haja esperança.

8 comentários:

1REZ3 disse...

E haja coração que aguente... ;)

Princesa, olha-te ao espelho com olhos de imparcialidade e vê o que reflecte.

Quanto à razão e à emoção, será sempre uma luta, porque eventualmente algo não correrá de acordo com a expectativa, mas é a partir desses caminhos e resultados que sai a essência de que somos feitos. E cabe-te a ti, com a enorme capacidade que tens (desculpa) fazer face a isso e não viveres nesse estado.

Espantam-me as capacidade de escita que tens em confrontação com o que demonstras através dessa mesma escrita. Mas lá está, a razão e a emoção quase sempre (para não dizer sempre) são como azeite e água.

PS1: Ainda não sei se é da razão ou da emoção (espero até que sejam as duas), mas acredito numa pessoa encantada, mais tarde ou mais cedo :)

PS2: Se o comentário estiver confuso, culpo o Paracetamol...

CB disse...

13,
Realmente fiquei baralhada, desculpa... Com a das expectativas frustradas no meio do confronto razão/emoção, e com o que achas que é o que escrevo e o que mostro através da escrita.

PS1: "Mais tarde ou mais cedo", mas que não seja tarde demais.

PS2: As melhoras

1REZ3 disse...

"Ainda tenho dificuldades com este equilíbrio e não me consegui decidir ainda se custa mais aceitar um erro resultante de over-analysing e planeamento detalhado, se um erro de impulsividade ou espontaneidade."

Falo da expectativa que se cria para determinado fim sempre que se toma uma decisão. Daí a expectativa "frustrada", porque há-de haver alguma vez que não corre como se pretende.
Não há nada certo, seja a impulsividade sejam as coisas bem pensadas, bem analisadas. Não penses muito nisso. A vida é feita dessas coisas mesmo.

Quanto à escrita, foi um impulso meu :) Por vezes esqueço-me que que racional e emocional não têm que estar ligadas...

PS1: Dependerá sempre de ti (lamento).

CB disse...

13,
"Não penses muito nisso" é precisamente o que me mata. Isso é o mesmo que dizer "sê mais espontânea", ou seja, é aquilo com que tenho dificuldade.

PS1: Eu lamento que não dependa só de mim.

1REZ3 disse...

Ok, não penses muito na questão em que te citei. Não há fórmulas mágicas por um simples facto - o tempo não volta atrás para saberes se o outro caminho seria melhor.

Conheço pessoas que já ganharam por decisõs espontâneas e que já perderam também...

PS1: Então eu lamento que sintas isso e lamento ainda mais que não te vejam...

CB disse...

13,
Tentarei não pensar...
Quanto ao resto, eu sei que no final a vida é um jogo e às vezes ganha-se, às vezes perde-se. As regras de como jogamos somos nós que decidimos e é isso que eu procuro perceber: se devo jogar com a espontaneadade da emoção, se com o calculismo da razão. E uma das coisas que peso é como me sinto a perder conforme as regras por que opto. Porque sei que há sempre momentos perdedores.

PS: Não lamentes, é assim mesmo. De facto há muita coisa que não controlamos e que os outros nos "vejam" é uma delas.

Apple disse...

Minha querida,
gostei imenso deste teu destilado. Soa-me muito familiar nas suas pinceladas gerais e toca-me em pontos, quase todos, comuns.

De há uns tempos para cá também ando nessa boémia que é, mais que distracção, uma fuga para frente, uma fuga de mim, das minhas razões em conflito com as emoções, uma fuga que, bem sabemos, não leva a lugar algum e, mais tarde ou mais cedo, temos de nos encarar e ter o monólogo da frontal honestidade.
Quando tiveres essa conversa contigo, lembra-te de ser com a Maria Princesa como és com as outras Marias, compreensiva e generosa, firme mas carinhosa, dá-te o beneficio de passar a mão pelo cabelo e não exijas de ti aquilo que não pedes a mais ninguém. Um dia, alguém que muito prezo, “acusou-me” de ser titânica comigo enquanto perdoava tudo aos outros. Foi um alerta que fez, não baixar a fasquia, mas levou-me a olhar para mim com os olhos de humanidade com que procuro ver os demais.
Beijos

CB disse...

Querida Apple,
Sei bem como me entendes e como destilas também (e tão bem) estas coisas.
Sei que a fuga não nos leva a lado nenhum, e no entanto às vezes é melhor andar sem rumo do que estar parada e perdida.
A Maria Princesa é amiga dos seus amigos, mais do que dela própria, é bem verdade, e agradeço-te a ti a generosidade da forma como a vês. Acuso que realmente tenho muita dificuldade com o princípio de "Não exijas de ti aquilo que não pedes a mais ninguém". A mim própria, sinto sempre que posso e devo exijir mais, até chegar ao limite, que às vezes ultrapasso sem reparar, caindo num sítio muito escuro donde é difícil regressar. Valham-me as outras Marias que me têm sabido acarinhar e alentar o regresso.