Vitória!

Está a fazer um ano que uma onda varreu a minha a vida. Primeiro, uma onda de mar, que me surpreendeu na areia absorta na leitura, e que me levou a escrever sobre o que é para nós realmente fundamental ou supérfluo. Depois, uma onda de choque, que me tirou o chão, sem aviso e sem piedade. Vi-me de repente a perder a estabilidade profissional que segurava, ciente da dificuldade dos tempos que já então se atravessavam, presa pelas minhas responsabilidades maternas. Queria dar o salto. Estava farta do que fazia, do meu chefe, do meu trabalho, mas achava que o que ganhava dali é que era o fundamental, o que tinha de preservar para assegurar a sobrevivência do meu filho, e a satisfação pessoal é que era o supérfluo, aquilo que podia, e devia, dispensar, compensada por alguns pares de sapatos extra. O risco do salto era demasiado avassalador, mas também o foi a constatação de que já não era uma escolha minha, que já estava em pleno voo. Restava apenas escolher onde aterrar.

Não foi fácil sentir o impacto em cascata que este acontecimento teve sobre mim. Não só no domínio profissional, mas também no pessoal - nas amizades, na família, na rotina do dia a dia, e até na auto-estima. Os primeiros meses, passei-os “en la vida locca”, como me acusou alguém mais tarde. Admito alguns excessos. Aquele cortar de amarras assusta, mas também liberta. E, de repente, tinha tempo para tudo aquilo que antes deixava para trás. Foquei-me nos positivos: o tempo extra, e de maior qualidade, com o meu filho, com os meus amigos e comigo própria. Os livros que conseguia ler, a quantidade de saídas à noite que tinha energia para aguentar, os almoços e cafés com todos os que passava antes meses sem ver. E um certo pico de aparente auto-estima, essa tal sensação de liberdade que se confunde, às vezes, com o sentimento de uma certa impunidade, que me levou a entrar de cabeça em relacionamentos inconsequentes. Mas que tinham o balão de ar quente de que precisava naquele momento, para não admitir que me sentia sozinha, um pouco perdida, e muito mais carente do que o que gostaria de reconhecer. E mesmo sentindo também o impacto negativo de outras coisas que tinha perdido, a tristeza de ver amizades que pensei intocáveis abanarem com nova distância física, e sabendo que algures por ali me estava também a perder, agarrei-me sempre à convicção quase autista de que, no fundo, aquele acidente de percurso era antes uma fantástica oportunidade e que me tinha tornado mais forte, mais confiante e mais liberta.

E na verdade, visto à distância, até foi. Depois de um montanha russa vertiginosa, e de me ter sentido presa em loops a desafiar a gravidade e a lei da vida, esta era mesmo essa oportunidade de me redireccionar e satisfazer profissionalmente, além de ser também a oportunidade de me testar, nos limites, e perceber claramente, por fim, que sou o que sou, independentemente do muito que possa rodar e mudar na minha vida, independentemente do muito que me permita ou obrigue viver de forma diferente.

Confesso que custou, com o tempo a passar, recusar ofertas financeiramente atractivas, mas que eu sabia que eram mais do mesmo, e também essas começarem a rarear. Também sentia a falta de outros pequenos luxos e devaneios que podia antes fazer. Mas persisti, quase até ao limite que fixei o mais longínquo possível. Mais um pouco e teria sido obrigada a aceitar esse “mais do mesmo”. Mas de repente surgiu a oferta por que esperava e, mesmo obrigando-me a mais uma readaptação, e mesmo não me oferecendo à partida garantias de estabilidade nem o retorno financeiro desejado (e merecido!), avancei, arrisquei, investi. Trabalho que nem uma louca, tive dias e dias seguidos de autênticas maratonas, tive os meus frios na barriga em face dos primeiros grandes desafios, aquela pequena dúvida, pequena fraqueza, de pensar que talvez não estivesse à altura, que talvez não fosse capaz. Mas comecei a superar os desafios, um por um, e a encher-me de orgulho por ir à luta e vencer, e de confiança para continuar a ganhar. A reconstruir a rotina, a redefinir espaços e tempos, e a ver-me surgir, no fim desse processo, de novo eu mesma, um pouco mais cansada, mas um pouco mais feliz. E ao fim destes primeiros longos meses, finalmente, vejo compensados os meus esforços, e com praticamente a mesma estabilidade que tinha há um ano atrás.

Agora, há que cantar vitória, claro, mas falta reequilibrar tudo o resto, tudo isso que deixei para trás ou em stand-by para poder focar-me neste investimento - desde a falta de férias e tempo para o meu filho, até ao ginásio e aos amigos. É um bocado perverso, mas sinto que nunca chego para viver tudo ao mesmo tempo. Talvez a vida seja mesmo assim: um eterno compromisso, um eterno alternar de focus, que acaba sempre por fazer alguma coisa ficar para trás, para mais à frente lá termos de voltar e compensar. Menos mal quando se lá volta com uma medalha ao peito, porque também sei que quando se quer chegar a tudo ao mesmo tempo, no fim não sobra é nada, nem sequer de nós próprios. Custou essa lição, mas acho que agora aprendi.

6 comentários:

Dry-Martini disse...

Fico contente pela vitória [de muitas que estou certo que lhe seguirão]. Fico contente por ti.

XinXin

CB disse...

Obrigada Dry-Martini.
Xin-xin

Pulha Garcia disse...

Sempre achei que conseguirias. Com sinceridade te digo que aprendo muito contigo.

CB disse...

Obrigada Pulha. Acho que aprendemos sempre alguma coisa com os outros (mesmo que às vezes não se entenda - mas isso são outros quinhentos).

Bípede Falante disse...

Princesa destilada, que lindo nickname você usa agora. O seu antigo novo blog está muito bacana. Voltarei sempre mesmo porque a estrela passou mas não sem deixar o seu rastro de luz.
Bj.

CB disse...

Bípede, muito obrigada. Fico muito contente por a ter por aqui, e pelo rastro da estrela.
Bj