Onde está a força?

À medida que vamos vivendo e ganhando experiência, dizemos que ganhamos calo. Não é por acaso. De facto, na grande maioria dos casos, a experiência da vida vai-nos endurecendo. O tempo, os erros, o que sofremos, ensina-nos mecanismos de protecção e pode endurecer até a expressão. Vamos aprendendo a proteger-nos mais, a confiar menos, a duvidar de tudo, e a contrariar as tendências naturais que mais vezes nos põem em perigo. Mas, na ilusão de nos tornar mais fortes, hoje acho que, à medida que nos cobrimos de uma camada de pele mais grossa, cada vez mais impenetrável, tornamo-nos é muito mais fracos, muito mais vulneráveis e, sobretudo, muito mais sozinhos.

As características pessoais de maior “sensibilidade” são, actualmente, vistas como uma fragilidade. E quem as tem, sabe que sofre por causa delas. Quem não desiste de confiar nos outros, mesmo depois de muitas desilusões, é sempre visto como um fraco e as suas lágrimas são vistas como o óbvio castigo da sua “insensatez”. Quem acredita que tem uma responsabilidade quando lida com os sentimentos dos outros, e por isso se expõe e se dá ao trabalho de escolher o caminho mais complicado e difícil para si, por forma a evitar magoar os outros, acaba sempre por ser visto com o tal do “O” na testa. Infelizmente, quase sempre, neste último caso, os tais “outros” acabam por dar razão a essa visão, porque quase nunca reconhecem o esforço e a nobreza da intenção.

Mas onde eu queria chegar é que, por mais que apuremos o instinto para cair menos vezes nas esparrelas da vida, e por mais que nos custe ter de aceitar o gozo dos amigos e do “bem te disse”, há coisas em nós que não devemos mesmo tentar mudar. Há coisas de nós que nunca conseguiremos mudar e, se andarmos a lutar contra isso, não aprendemos a viver com elas. Se sou uma tonta sentimental, por mais que queira mascarar-me com a frieza e a dureza do que diz por aí que é sensato nos dias que correm, acabarei sempre por sofrer duplamente: uma vez por ter de me obrigar a ser o que não sou, e outra vez por ter de, em consciência, me perdoar pelo que fui.

O mundo e a vida não são perfeitos, tal como nós. Mas não é força deixarmo-nos corromper para fingir que nos dói menos o efeito de tanta imperfeição. E mesmo não podendo mudar o mundo, podemos continuar a querer que seja melhor, podemos continuar a querer ser melhores para o mundo, começando por assumir que sensibilidade não é necessariamente insensatez. O que é insensato, quase insano, é deixar que nos esterelizem o pensamento, nos espartilhem o sentimento e nos isolem debaixo de um calo.

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