Desenho

Eu sou uma mulher complexa, mas descomplexada. Geralmente profunda e séria, reflexiva e introspectiva. Mas com sentido de humor, gregária, e com vontade de me divertir, com animação e algumas futilidades. É, por vezes, a fuga possível do peso do meu interior.

Sou eclética, nos gostos e nas pessoas que escolho, o que leva a que muitos me apelidem de "estranha" ou, quando ao menos até gostam de mim, de "especial". Escolho essências, nas coisas e nas pessoas. Quero ser escolhida também assim. Acarinho os poucos que me aceitam por inteiro, aqueles que não me vêm "estranhezas", mas sim alguma coisa de diferente, que são capazes de aceitar. Dos outros, guardo uma prudente distância.

Por fora, sou quase sempre aparentemente pacífica e serena, tanto mais serena quanto mais inquieta. Mascaro-me com um sorriso de acessibilidade e simpatia, além de um discurso solto e leve. Mas também sou frontal, às vezes até mesmo um pouco crua, e posso até parecer fria e insensível quando preciso da distância de protecção. Na verdade, é a outra máscara: indiferença e frieza aparente. Sei que baralho muita gente. É que mesmo muitos que pensam conhecer-me bem, não me arranham sequer a superfície.

Sou paradoxal, em variadíssimos aspectos, desde logo pela dialéctica interior permanente entre os princípios da minha educação extremamente religiosa e conservadora, e a minha natureza de espírito livre, liberal, e agnóstico. Integrei e pratico muitos dos princípios da educação que recebi, que reconheço válidos, mas recusei outros tantos a que não reconheço sentido. Paradoxal, também, por ter tanto de cerebral como de emotiva. Seguindo ora a cabeça, ora o coração, ora tentando forçar uma lógica na emoção, ora tentando fazer de um pensamento um sentimento.

Faço muitos erros pelo caminho, por vezes nem eu me entendo, e sou muitas vezes incompreendida, sobretudo pelo meu círculo natural mais próximo, gente presa em dogmas, preconceitos e puritanismos hipócritas. Por isso vou redefinindo o círculo. Embora já muitas vezes me tenha sentido só, sei que não estaria em paz comigo mesma se aceitasse compactuar com o que não me define, apenas para ser "aceite" e ter companhia. Quase sempre, durmo em paz com a minha consciência.

Sou como sou. Intensa e inteira. Não sei dar-me pela metade, nem receber a prestações. Por isso resguardo-me, protejo-me, cada vez mais à medida que somo desilusões, incompreensões e outras experiências. Mas não me transfiguro. Dos outros, quanto muito fujo, retraio-me e desapareço toda, subo o muro e fecho o portão. De mim, vivo uns tempos numa outra bolha qualquer, fecho-me algures atrás de uma alegre confusão. Para mim, depois volto à origem, realinho-me, arrumo, e continuo.

Define-me sobretudo “eclética” e “paradoxal”. Uma "definição" destas define apenas o indefinível, o indefinido. E, no entanto, estranhamente, sinto-me hoje perfeitamente desenhada, desde logo porque me consigo escrever assim.

2 comentários:

Bípede Falante disse...

Li me reconhecendo em cada linha. Você parece eu, eu sou você versão sul-américa. E, por isso, sei o quanto não é fácil ser eu ou você com essa nossa essência dialética.

CB disse...

Bípede, leio-me muito nas suas linhas, também me sentindo uma sua versão Lusa. E não, realmente não é fácil viver nesta dialéctica, que às vezes é conflito e angústia, mas outras vezes é apenas muita intensidade e diversidade. Mas é um pouco cansativo e quase sempre solitário.