Muda-se o verbo

Não sei como realmente cheguei a esta conclusão, mas dei por mim, de repente, a admitir que algo me fugia definitivamente da compreensão. E, ao contrário do que é em mim habitual, percebi que simplesmente desistia, entregava os pontos. Achei que o caminho da felicidade, esse conceito abstracto a que aceitamos reconhecer existência mesmo sem lhe conhecer o sabor, é simplesmente uma forma de disfarçar o quanto nos custa caminhar. Porque custa - custa sim senhor. Custa saber que a vida passa, que cada amanhecer é menos um dia de juventude, um dia mais perto do fim, e que a cada dia pouco mais felizes somos que no dia anterior, que não há passes de mágica que nos tornem felizes de um dia para o outro (embora ganhar o Euromilhões pudesse ajudar).

Todos temos os nossos momentos de felicidade, e fases em que esses momentos se multiplicam mais profusamente ao longos dos dias, enchendo-nos da convicção de que somos felizes. Mas apenas estamos felizes. É momentâneo e efémero. Dura até começarem a rarear os momentos bons, até se entrar nos ciclos de dias em que se somam mais tristezas ou outras dores, dias em que achamos que somos infelizes. Mas, na verdade, apenas estamos.

No fundo, somos todos um bocadinho bipolares. Ninguém consegue estar sempre feliz, nem ninguém sobrevive a uma pernanente infelicidade. E ninguém atura alguém que está sempre radiante mesmo que o mundo expluda, ou alguém que está sempre deprimido mesmo que a vida sorria.

O que mais atormenta a maioria das pessoas é essa necessidade auto-imposta de se poderem dizer pessoas felizes. E o maior problema é que há sempre qualquer coisa, às vezes maior outras menor, que atrapalha esse objectivo. Se sofrer num dado momento, poderei dizer, ainda assim, que sou feliz?

Poderei, se redefinir o conceito e não o deixar incluir aquilo que não tenho. Poderei, se aprender a sofrer com o que seja, sem deixar que isso contamine as coisas boas da vida. Poderei, se perceber que o que me pode fazer uma pessoa feliz não tem de ser o que faz os outros felizes. Poderei, se aceitar que não tenho de ter o amor da minha vida para ser feliz. Encontrar esse amor, que parece ser o caminho mais fácil, que mais consensualmente é aceite como o ponto chave da felicidade humana, acaba por ser o mais duro e interminável dos caminhos, instituindo a infelicidade permanente, de forma ditatorial.

Por isso desisti. De entender e de procurar por aí. Tentei ser feliz com tudo o resto: o meu filho, o meu trabalho, os meus amigos, livros, música e escrita, e um novo conceito de amor, mas em versão “light”, digamos. É que se a felicidade se alcança pelo amor, mas se o amor nos foge a vida toda, então só resta mesmo encontrar-lhe alternativas. E ou redefinir amor, ou redefinir felicidade.

Não me orgulho, mas tenho escolhido conforme o que me permite dizer a cada momento que estou feliz.  Mas no fim, também não posso dizer que sou feliz. Só que sempre custa menos fazer o caminho assim: estando de momento em momento, apesar de não ser em tempo algum.

2 comentários:

1REZ3 disse...

Em parte parece que estou a rever uma conversa que tive há um par de dias com o meu "irmão".
As alternativas são muito basicamente essas - a família, os amigos, o trabalho (ou futuros projectos que terão que ser efectivamente concretizados se quiser ir de encontro ao que sinto), livros, cinema e umas escapadas.
E finalizei dizendo-lhe que se tanto se procura e quer e por qualquer que seja o motivo não se alcança, contorna-se e deixa-se para trás. Não sendo a solução perfeita, é a possível e mais razoável no sentido de me preservar.

CB disse...

Noya,
É verdade: é a solução para nos preservarmos dessa sensação de infelicidade. Como escrevo, ajuda a viver se nos formos concentrando nesse pequenos momentos bons. O problema que noto, e por mim falo, é que embora preservando-me assim de não ser infeliz, porque vou estando feliz, na verdade também não posso dizer que seja feliz. É uma subtileza verbal, mas que faz muita diferença. Também não sei ainda que mais procurar para dar sentido ao verbo ser, tendo obrigatoriamente de retirar do panorama esse tal amor. Talvez possamos deixar o amor para trás. Mas e o "ser feliz"?...