Peço


Acho que nunca deixarei completamente a minha concha, essa que dizes sentir, que dizes saber sem saber porquê. Pedes-me que ponha tudo isso de mim, de dentro de mim, em palavras. Que te ofereça explicados todos os meus insondáveis. Não posso. Não sei fazê-lo. Nem para mim consigo verbalizar tudo o que me enche. Chego perto, por vezes, a escrever, num processo quase insconsciente em que acabo por soltar palavras directas da alma. Mas do muito que te vou dando, do muito que vais entrando, vai-me ficando também o medo.

Não quero erguer esses véus que às vezes dizes sentir em mim propositadamente opacos. Não quero, mas sei que eles surgem em momentos de fraqueza. Passei a vida toda a aprender a fazer esses véus opacos, para me proteger. Passei muitos dolorosos momentos a expulsar intrusos da minha concha, que lutei para deixar de amar, para arrancar de mim. Tenho medo por tanto mais que condiciona a nossa história e por isto também – por mim. Nos momentos de ausência que alimentam a dúvida e agigantam a espera, nas tuas palavras e nos teus gestos que de alguma forma alimentam a insegurança, instintivamente quero fechar a concha, pôr-me a salvo. Porque me sinto tanto mais frágil quanto mais estás dentro de mim. Restam-me ainda, por agora, apenas os véus opacos.

Dizes que às vezes duvidas que sinta por ti o mesmo que sentes por mim, que sentes que não te quero deixar entrar. Mas entende: já entraste. Nem sei como te encontro aqui assim, quase de repente, um intruso estranhamente familiar, confortavelmente instalado. E ao sentir-te tão dentro assusto-me. Conheço-me, sei que sou a minha pior inimiga, a tendência é fugir.

Não quero fugir, não quero expulsar-te, não quero deixar-me vencer pelas contrariedades nem pelas agruras do caminho e do futuro adiado, nem quero impedir-me de viver pelo medo de sofrer. Estou a aprender, e a deixar-te entrar, e a levantar os véus. Devagarinho, às vezes a tremer de coragem, a reunir todas as minhas forças de acreditar para fazer durar todos os momentos de presente iluminado. Mas a lutar contra mim própria, entende. Por isso, por isso te peço: desvenda o insondável sem palavras minhas, levanta os véus à medida que se vão pondo transparentes, e dá-me a mão, ajuda-me, não me deixes fugir.

6 comentários:

Anónimo disse...

Mana, insondáveis mistérios para onde a mente nos leva e atraiçoa.

Não serão estes labirintos que tecemos quando o silêncio se instala antes de dormir ou um ruído mais desafinado nos soa amplificado a prenúncio de desalento como arauto de infortúnio, que nos condiciona a viver um presente amordaçado com receio que a entrega nos moa mais na remota derrota que no imenso prazer de um presente cheio e pleno de graças?

Seremos tão exigentes à pefeição dos outros e mais ainda com a nossa que na insegurança dos gestos não perdoamos um risco no vinil ou que ao ensurdecer a um tom por vezes dístone esqueçamos o fabuloso que é quando "também bate um coração"?

Há taças para beber, enfim, cheias de tudo. De tudo.
Tudo de bom mana.

Beijo.

CB disse...

Mana,

Tudo isso é verdade, e posto de uma forma muito bonita. Mas como digo, tenho consciência perfeita dos perigos que apontas, e "não quero deixar-me vencer" por isso "nem quero impedir-me de viver pelo medo de sofrer". Tenho bebido as taças todas e tenho sobretudo é medo de mim, quando sinto que o caminho que estou a fazer me é apressado, e me assusto e me recolho, debaixo dos véus, ou me ponho em fuga.

Estou de facto a aprender, "devagarinho, às vezes a tremer de coragem, a reunir todas as minhas forças de acreditar para fazer durar todos os momentos de presente iluminado", os tais em que "também bate um coração". Reconheço as minhas fragilidades e sei que preciso de espaço e tempo exigentes, que nem sempre são fáceis de entender, que nem sempre sei explicar. E de uma mão que me ajude.

Tudo de bom também para ti.
Beijo

Anónimo disse...

Eu sei querida, eu sei.

Lembras-te? "soa longe o apito, é hora de partir" ? Que seja para ti agora, numa boa viagem.

CB disse...

Assim seja... Também espero. Obrigada.
Bj

fd disse...

Tentar forçar uma concha a abrir parece-me contraproducente mas acredito que ela se vá abrindo lentamente, à sua velocidade, perante os estímulo da confiança a crescer. Não me pareces nada inapta a verbalizar os teus sentimentos, simplesmente há alguns que conhecemos, outras pressentimos e outros acompanham-nos mas ainda não os consciencializámos. Parece-me ser um processo gradual. Sem pressas também não haverá fugas.

CB disse...

fd,
Sou inapta sim, talvez não tanto com as palavras escritas em quase surdina, mas certamente nos gestos que deixo passar pelos véus, e nas palavras faladas que vou soltando - por causa das que não solto. Mas levantar os véus e "dizer" o que sabemos, confirmar o que pressentimos e descobrir o que nos foge é um processo gradual sem dúvida. Que para mim não pode ter pressa.