Pergunta sem resposta


Passei um ano a crescer, pensei, a ser maior e melhor em tantas e tantas coisas. Passei um ano a escrever os meus caminhos, a mergulhar em mim, a lutar por entender e encerrar passados, a expurgar fantasmas. Passei um ano a experimentar a vida de outra forma, a redescobrir o mundo e a redescobrir-me a mim. Pensei que todo o caminho que fiz, na maior parte do tempo sofridamente, me tinha tornado mais livre, mais descomplexada, mais confiante. Pensei que chegando mais fundo, tinha derrubado em mim os muros do medo, as portas da solidão.

Mas de repente sinto-me numa enorme fragilidade. Não sei se estou preparada, se aguento. Tenho ondas de pânico alternadas com vagas de profunda e desconhecida tranquilidade. Tenho uns olhos que me entram dentro, que intúem os meus remoínhos internos, que me lêm mesmo a alma. De alguém que não se assusta, que diz que não tem medo, e me vai sempre buscar. E isso tanto me conforta e apazigua, como me inquieta e alvoroça.

Sinto em dias que cheguei, que chegou, que é agora, só é preciso vivê-lo. Sinto em momentos que não pode ser, que estou perdida, não me entendo, não consigo viver hoje sem desembaciar um pouco mais o futuro. Morro de medo de perdê-lo e morro de medo de me perder. Não consigo não me dar. Sei que dei, que dou, sempre e cada vez mais, mesmo quando não quero, porque ele já entrou e sabe os meus caminhos. Mas depois assusto-me, penso que dou de mais, penso que é uma loucura, que não posso embarcar às cegas numa viagem tão incerta, guiando-me apenas por sentires, efémeros momentos perfeitos e certezas alheias. Como a certeza do piscar de olho de uma estrela, que ele viu, e eu não, mas que me diz que não faz mal, que depois me mostra num beijo ou num abraço.

Todas as palavras que me diz são as palavras certas. E chega a doer de tão fundo que chegam. Cada palavra, cada olhar, cada beijo ou toque, são como sal numa ferida. Na verdade, chegam onde sempre quis que alguém tivesse a coragem de chegar, onde sei que moram as mágoas, as feridas mais fundas. Mas não curam num passe de mágica. Enternece-me e faz-me sorrir, mas com uma tristeza estranha ao mesmo tempo, num misto de felicidade e lágrimas. Não sei se aguento a cura. Não sei se consigo ter alguém a viver por dentro de mim, a remexer nas feridas que andei um ano a pensar que curava, que pensei que já não doíam.

Acabo quase todos os dias acordada, de olhos abertos sem ver, sentindo-me dormir. Com vontade de acordar para o sonho que queria ter a coragem, a certeza, de escrever e viver. A sentir que me bafejou a sorte e sou capaz de não a merecer. Deito-me com esse amargo na boca, nessa luta de não conseguir impedir o sorriso e a morna sensação de paz que a invocação da memória dele produz, ao mesmo tempo que sinto o arrepio gélido do medo, do mundo, da vida, de mim. Deito-me cansada, mas com vontade de tragar o tempo, o mundo e mais não sei bem o quê que não consigo alcançar. Deito-me sempre com essa fome.

Com essa fome e a angustiante pergunta: isto é o quê?...

8 comentários:

Paulo Lontro disse...

Se conseguires, escreve o mesmo texto mas em vez de escreveres o que sentes escreve o que querias sentir.
:)
Depois, lê os dois e compara como te sentes no fim de leres um e o outro.
:)

CB disse...

Paulo,
Sei o queria sentir e sei que até estou lá muito perto. Não consigo escrevê-lo no mesmo texto, mas consigo escrevê-lo em muito menos palavras. O que sinto no fim, ao lêr cada um dos textos, é estranhamente muito semelhante. Absurdo talvez, mas fez-me lembrar a célebre frase de que todos os caminhos vão dar a Roma...
:)

1REZ3 disse...

É estranho como acontecem coisas (ou encontros) quando menos esperamos e menos pensamos desejar. Para mais quendo se dá um impacto nunca antes sentido...
Arrisca-se ou não se arrisca? Avança-se ou deixa-se estar e logo se vê?

Bem pesados os prós e contras, acho que valerá sempre a pena ir à luta. Tu tens essa oportunidade - de poderes "triunfar". Não a desperdices.

CB disse...

Noya,
É estranho sim, muito estranho. Mas a decisão do que fazer com tudo isso é produto da forma como se decide. Se pesar apenas "prós e contras", numa análise racional, a decisão é claramente de não avançar. Se tirar desta história tudo o que é emocional e intuitivo, o que resto é uma história onde nunca me teria metido. A dificuldade é maior para mim porque tenho sempre necessidade de suportar as minhas decisões com lógica e razão, mesmo que assentes em emoção. E aqui, se quero avançar, tenho de o fazer sem razões, ou até contra a razão. Mas pode ainda assim ser, de facto, a tal "oportunidade", como sinto tão claramente às vezes. E também não quero desperdiçá-la.

1REZ3 disse...

Princesa,
os
"prós e contras" partem sempre da emoção (da minha parte, claro). É a razão que por vezes impede a luta pela felicidade, que impede também mais tarde o tal esforço extrea para fazer resultar a relação.
Mas vendo bem, foi à conta de deixar de lado a razão que já me "lixei" umas quantas vezes.
Mas quando é algo que nunca se sentiu antes (o que levanta muitas questões e dúvidas) é complicado não querer obter as respostas.

Mas sim, creio saber (minimamente) os "receios" que demonstras...

CB disse...

Noya,
Para mim, pesar prós e contras é sempre um processo analítico, racional. O plano emocional não se compadece nem com razões, nem com argumentos. Mas acho que não há outra forma de saber a resposta sem viver a pergunta. Correndo o risco, naturalmente.
Creio que saberás bem desses "receios", sim...

fd disse...

Não respondendo à pergunta (retórica), parece-me ambicionável, apesar de potencialmente doloroso, ter alguém que veja e leia as nossas mágoas, se preocupe com elas e nos acompanhe nessa cura. Num palpite, e peço desculpa se for impróprio, diria que o teu “ressentimento” bem marcado contra o mundo, é teres receio que no futuro não seja assim, ou que depois já não haja essa preocupação, num padrão de até pode não ser reconhecível neste caso mas para onde tua experiência se desvia e tende a encaixar novas possibilidades de relação. Pois, a falta de definição não ajuda mas tal como escreves desta forma encantadora acredito nas tuas capacidades de auto-conhecimento e leitura das tuas emoções, e não vais desistir enquanto não o conseguires fazer. :)

CB disse...

fd,
Chapeaux... Sim, muito tem a ver com os padrões que tenho reconhecido na minha vida e onde tento sempre encaixar novos episódios, mesmo que à partida pareçam não se encaixar. "Gato escaldado de água fria tem medo". Que não quero desistir, sim, é verdade. Luto contra mim mesma todos os dias e tento com todas as minhas forças acreditar que o padrão não se repetirá eterna e irremidavelmente. E obrigada. :)