This is Not Goodbye

Fui ontem ao jantar de despedida de uma amiga muito querida, uma pessoa maravilhosa e que tem estado de pedra e cal, daquelas poucas que sobreviveu ao tsunami que me invadiu a praia há uns bons tempos atrás, e que parte agora para abraçar um aliciante novo projecto profissional noutro país. Desejo-lhe toda a sorte do mundo, de coração, mas vai-me fazer uma falta terrível. Vejo-a no Facebook, a anunciar o dia da mudança, e quero dizer-lhe que torço por ela, mas não carrego no "Like", nem consigo deixar um comentário só de apoio, porque estou também triste por perdê-la aqui da vista e não quero assombrar-lhe o mural neste dia. É que, por mais que tenhamos FB, skype e messenger e o diabo a quatro, tenho mesmo medo de perder esta amizade que acarinho tanto. Vai para longe - é longe. Todos os que (se) importam sempre vão - karma dos infernos. Podia dizer que me fica no coração - que fica -, como sempre fica qualquer coisa daqueles que nos crescem por dentro. Mas vai dar flores longe de mim, já não as  terei tão vívidas no meu jardim. Tenho o desafio de cultivar o que fica, o melhor que puder e souber, sem me deixar desanimar pela distância e pela saudade, com que tanto me custa lidar. Mas eu gosto dela: muito. E isso, no fim de contas, é o que interessa. Esta é uma das pessoas a quem não direi adeus; apenas um até já, até logo, até sempre. E não posso deixar de sorrir com a ironia da coisa, o outro lado de uma mesma lição, que ando eu própria a aprender e ensinar, nestes conturbados tempos de mudança que também me arrastam para outras andanças, ausências e distâncias. 


(Fingers crossed for you, guapa. But I sure as hell miss you already...)

Estranha história de amor ou Bonito conto do vigário?

As opiniões dividem-se em mim, como entre aqueles que acompanham a história. Divido-me entre os que me exortam à coragem de lutar, porque "é uma história tão bonita", e os que me advertem para ter cuidado, porque "é uma história tão estranha". E não tenho como confirmar, nem um nem outro prisma.

Não sei como se balança o querer acreditar e ter de desconfiar. É uma luta entre a esperança, entre a vontade de que seja real, uma promessa pela qual vale a pena lutar, e o instinto de sobrevivência, a  ponderação da probabilidade de ser engano, de não ser real. Pergunto-me muitas vezes: é um sonho quase feito real, ou é um conto do vigário? Lanço-me nisto, persistindo na espera, dando o desconto à distância, justificando coisas que me incomodam com as vicissitudes de uma outra vida que corre a um ritmo alucinado que, na verdade, não testemunho? Ou retraio-me, protejo-me, face ao custo da ausência e das perguntas sem resposta que levam à construção de teorias combinantes de suposições e paralelismos, por vezes recambolescos, mas quase sempre de muito mau gosto? 

Seja como for, acho que a história vai morrer. Não sobrevive à dúvida e não tem espaço para confirmações; não sobrevive à distância e não tem tempo para aproximações; não sobrevive à mágoa e não tem cheiro nem braços com as desculpas. Se era uma história bonita, terá um final triste - tenho mesmo muita pena. Se era uma história estranha, terá um final feliz - salvei-me de mais uma desilusão. O pior é que, provavelmente, nunca vou saber. E estive disposta a arriscar somar mais uma desilusão para não perder a hipótese de confirmar real o sonho. Mas não posso mais, não posso continuar a ignorar a dúvida que se avolumou, sobretudo nos últimos dias. É estranha a história, sim, e não a escrevo sozinha.

Ainda aceitava que fosse uma estranha história de amor, mas parece-me agora que é um bonito conto do vigário.

Mais fere a palavra do que a espada

Sim, ela tem razão: o que interesa o que os outros pensam, se estamos bem com a nossa consciência? Tantas vezes avancei assim na vida, na serenidade da minha consciência, ainda que incompreendida, ainda que insultada ou renegada por via dessa incompreensão. Diz que não posso deixar-me afectar, que não posso sofrer com isso. Easier said than done. O que ela não vê é que não há como ignorar a dor da ofensa, ainda para mais se totalmente injusta, quando vinda de certas pessoas. Com umas, é fácil encolher os ombros e ignorar. Dessas, realmente as ofensas não nos atingem. Mas outras não. Com outras, não há como não me exaltar, como não indignar, como não deixar de defender a minha própria honra. Não há como evitar ter de deixar tudo claro, sob pena do meu silêncio ser apresentado como reconhecimento, como a desistência do "quem cala consente", por alguém que não hesitará em fazer uso disso da pior forma possível. Se me acusam com argumentos falsos e me condenam injustamente, não posso deixar de me indignar. Eu acuso-me por vezes, por coisas em que sei que falho. Mas também em consciência sei que faço o melhor que posso e sei que não me posso arrogar a superioridade da infalibilidade. Não posso aceitar que me acusem de forma injusta e vil, numa coisa muito fundamental, e por alguém muito próximo. Aí não posso calar-me. Afecta-me sim, atinge-me, desgosta-me. Porque além da minha dignidade e do meu orgulho, eu sou uma pessoa que sente. Sinto muito.

A Mágoa não se chora

É como uma ferida, sabes? Choras a dor, gritas se for o caso, mas ela está lá até que a trates. As feridas, como as mágoas, precisam de ser desinfectadas, soturadas às vezes, cobertas de gaze e adesivos. Precisam de curativos, até que cicatrizem. E depois, quase sempre, passe muito ou pouco tempo, fecham deixando uma marca que te recordará sempre a dor que, essa sim, essa choraste e podes continuar a chorar; e em algumas sabes que não podes tocar porque, por baixo, ainda dói. A mágoa fica-nos por dentro da pele, por dentro do peito, verte-nos lágrimas da dor que causa, mas não se extirpa com elas. 

Resumo

Corre-corre, não me chega o tempo. A semana ainda nem vai a meio, mas que já promete - oh se promete. Pelo menos acabará em grande estilo... Só nestes dois dias, mais uma entrevista, agora apelidada já de "conversa", mais telefonemas, proposta detalhada prometida até final da semana - God bless. E, entretanto, conversas com estes e aqueles, a afinar as estratégias que me permitirão aceitar a proposta, desde que corresponda às expectativas, porque, concretizando-se - e não parece que vá falhar -, tem de estar tudo a postos. Remata hoje com jantar de família. Ontem, o fim dos trabalhos manuais para compôr um poster a pedido da educadora para a festa do colégio - e chego à conclusão que cartolinas, recortes e colagens ficam muito bem até ao fim da primária, mas já não é coisa para gente graúda, sobretudo se tem verniz nas unhas e/ou algum brio naquilo que produz. E depois o dia de festa no colégio, com o miúdo todo orgulhoso do diploma que recebeu (acabou o Jardim de Infância), das músicas que cantou em coro com os outros, da apresentação do karaté - e dele próprio em geral. Foi bom. Cansativo, um calor que não lembra, sobe e desce durante horas - mas foi bom. Antes ainda, uma passagem de urgência por casa da irmã caçula, para acudir a uma queimadura, o que me devolveu a casa já depois da meia noite, com séculos de voltas para estacionar, e a verdadeira moca de sono, como já não tinha há muito. Depois, uma surpresa desagradável que antecipa um penoso dia passado numa das nossas maravilhosas instituições públicas, para (graciosamente) reclamar da sua incompetência e, identificando e provando o erro, esperar que seja rapidamente resolvido. E, ainda, uma outra surpresa, mas não propriamente má, ou não completamente má (não há prognóstico antes do jogo), que me levará a uma festa na 6ª feira com um estranho epíteto na lapela (ou será na testa?): vou como "the most interesting single friend" de uma das convidadas, condição inegociável para que ela própria possa ir. É. Um pouco weird, eu sei. Mas não fica por aqui, pois o dress code é... "Disco". Pensando bem, e tentando imaginar o que raio vestir, acabo por perceber - a festa seria um fracasso se não garantissem pessoas mesmo interessantes (e tento focar-me neste epíteto para digerir a escolha a nível pessoal), porque, let's face it: who the hell survives the disco look??



On my marks

Primeiro, foi tempo de reflectir sobre a decisão, sobre as escolhas. Equacionar cenários vários e, o mais serenamente que consegui, chegar a uma conclusão. Agora, com calma, passo a passo,  vou preparando as bases para o que penso, já, inevitável. Tive a prova de que o assunto está praticamente fechado. A próxima semana é de decisões finais e acerto de pormenores. Uma coisa de cada vez, vou dando passos que fazem sentido no enquadramento da nova vida que aceitei arriscar viver. Por isso, por mais cansativos ou penosos que sejam, vou-os dando com redescoberta serenidade. A cadência intensificou-se esta semana e até coisas que não dependem de mim acontecem, como coincidências engraçadas que me facilitam a vida, ou sinais do cosmos de que, desta vez, me acompanha na viagem a sorte. Certo é que me acompanha a esperança e essa, como se sabe, tinge de boas cores o coração mais esmorecido e desperta a veia do positivismo. Mais um pouco e sonho de novo. Querem ver?...

Hoje, levei o meu filho ao jardim depois do colégio. "Qual é o programa, mãe?". Foi um gelado para assegurar uns minutos de sossego e para podermos conversar - depois soltura para brincar no parque infantil. Pensei muito em como o abordar, como lhe traduzir o essencial do que aí vem, deixando de fora angústias desnecessárias mas, ao mesmo tempo, fazendo-o entender que não vai ser sempre fácil, mas terá outras compensações. Pedi-lhe ajuda e alinhamos estratégias. Ele reagiu muito bem e larguei mais uns quilos dos ombros. Mas claro que só tomará verdadeiramente consciência do que aí vem quando o viver e eu ficarei até lá na dúvida sobre se consegui ou não passar a mensagem. Espero que as bases que hoje assentei nos permitam ultrapassar este desafio.

Começo agora a pensar que ainda não soou a partida e eu já estou na corrida: já tenho os olhos na meta e toda a minha força recolhida, contraída, concentrada, pronta a explodir e impulsionar-me, largando-me como uma seta. Certeira, espero.

Cicuta minha

Gostava de te poder dizer e explicar tudo o que me vai dentro e faz ser como sou, sem ter de te contar detalhes de toda a minha história. É assim, aos poucos, através de pequenas coisas do dia-a-dia, que se descobre a verdadeira soma de tudo do outro, sem necessariamente nomear parcelas. Não é com as grandes revelações, os segredos concretos, com as sinopses analíticas do percurso de vida. Aliás, gostava de poder deixar para trás essa vida, esse percurso, sem hipótese de envenenar o futuro. Infelizmente, o seu veneno circula-me já nas veias e dorme comigo no escuro. Sei que te devo a verdade toda que é de mim, por isso te estendo o cálice em que me provas aos poucos com um aviso: sobrevivemos se és sincero, porque a minha verdade é veneno, mas um verdadeiro amor é antídoto.

(E entende: tanto é amor provar do cálice do outro sem medo, como estender o nosso.)

Vou por aí a procurar

Mais um passo. Ou uns passos. Coisas que renovam a esperança ou, se calhar, que a fortalecem, porque a esperança está cá, tem estado, pese embora uns dias de dúvidas e a antecipação de algumas angústias. Esta é agora a minha batalha, curiosamente em várias frentes: projectar menos, pensar menos para a frente, tentar não sofrer por antecipação com o que pode nunca chegar a ser dor.   

Numa série de coisas tenho chegado a uma conclusão similar: muitos passamos metade da vida a aprender a fazer e a pensar as coisas com prudência e lógica, para passar a outra metade a desaprender as mecânicas artificiais que fomos impondo às nossas vidas - e a nós próprios. É que chega a um ponto em que simplesmente não vivemos. E se bem que é necessário manter um certo bom senso, estou a tentar dispensar o espartilho do "tem de ser". Pouca coisa não tem remédio, e o que não tem, como diz o povo, remediado está. Mas não aceito nada como sentença final sem eu própria poder testar e julgar.

Sei que trilho caminhos algo perigosos mas agora também sei que não quero deixar nenhum por calcorrear. Vou até onde me puder levar. Ou até onde a esperança me aguentar. Mas vou viver, vou procurar. Essa foi sempre a minha essência.

Hoje lembrei-me desta música, acho que até já publiquei há muito tempo. Mas hoje, é esta música, que é em si lindíssima, que fica como meu espelho nas notas positivas - da esperança, da vontade de viver, de ser livre para viver.


"(...) Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver..."

Paz cruel

Como pode ser cruel e, simultaneamente, doce apaziguar o entendimento perfeito de uma coisa assim, em palavras de um belo poema:

"Amar a nossa falta mesma de amar,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita."


Carlos Drummond de Andrade

Sentido

Anos de mergulho profundo em mim, de reflexão, de minucioso dissecar de acontecimentos e razões, de cuidadosa sistematização de mapas interiores, com quase científicas iterações relacionando todas as vertentes de mim e todos os acontecimentos da minha vida, sólidas relações de causa-efeito articuladas, ainda que a posteriori, para emergir com uma conclusão patética: conhecer os meus defeitos, os meus limites, os meus traumas e lastros, os meus Adamastores e fantasmas, não muda nada naquilo que sou; apenas justifica, com suposta lógica, os bons ou maus passos que dou. Sei porque fiz isto e aquilo, sei porque não fiz aqueloutro; sei porque guardei palavras e porque disse outras que não sentia; sei porque tenho medo; sei porque me fecho e guardo; sei porque me sinto assim ou assado; sei até porque comprei ou vesti certa coisa em certo dia; sei porque ando a equacionar cortar o cabelo a dois centímetros da raíz; sei porque ando incansavelmente a limpar os cantos mais recônditos da casa, rogando pragas à empregada incompetente que vou despedir no fim do mês. Sei tudo isso e tanto mais, a lógica à prova de bala, as razões perfeitamente aceitáveis, justificações, desculpas. Mas desculpas porquê? Se sei, se faz sentido, se é aparentemente inevitável que seja como sou, que faça o que faço, que pare onde paro, que cale, que diga demais, que fuja, que limpe, que estoure o orçamento em trapos demasiado trendy de que não preciso, para que é então a culpa? Talvez - só talvez - seja porque, ainda assim, todas as manhãs acordo a acreditar que tudo pode ser diferente e que toda eu me posso reescrever com nova lógica, numa nova ordem onde, sem razões nem articulados, eu própria e a minha vida façamos, inquestionavelmente, sentido. Mas, na verdade, o que me falta é aceitar ser e viver sem lógica, sem lei nem ordem, sem que nada tenha de fazer sentido. E, no fundo, não me é nada fácil aceitar que a falta de sentido não tem de ser um vazio, que não tenho de entender todos os porquês e que a felicidade não precisa de justificações. Nem, muito menos, de desculpas.

Volátil

Até onde me chegam as palavras é real. Daí para dentro é um insubstantivo; são sólidas sombras, líquidos sentimentos, vapososas construções; um volátil estado de alma. Que se evapora sempre antes de poder plasmar-se em palavras.