Não sou blogger


Faço tudo ao contrário do que é suposto: não escrevo textos curtos (quase nunca), muito menos frases tipo twitter (a não ser que façam sentido), que eu acho que até sei usar as vírgulas e acho que, se não me seguem uma frase longa, é porque falta a inteligência – e não a minha. Também não tenho um nome de blog disparatado ou que inspire muita curiosidade. Nem um nick e perfil todos engraçaditos. E também não criei nenhum personagem para escrever, porque quem escreve aqui sou eu, sou sempre eu, mesmo que tenha dias de ser princesa e outros de ser bruxa. Ou quase. Não escrevo sobre actualidades, só raramente sobre sapatos e afins, embora tenha tido uma fase recente em que falei demais do meu guarda-roupa, que a mim a roupa é que guarda, e guarda muito mais que o corpo. Por isso não sou dos cor-de-rosa, mas também não sou dos outros. Uso palavras ditas “caras” quando me calham, mas é porque me calham a mim, não são sortilégios nem esforços deliberados de afirmação de pseudo-boa-escrita, e também não pretendo escrever para mentecaptos. Aliás, o mais complicado é que não pretendo escrever para leitores de tipo nenhum. Comecei este blog porque senti vontade de escrever, numa fase de profunda mudança da minha vida e de mim. Foi uma ajuda no processo de me redescobrir. Teve as suas paragens e hesitações, em paralelo com o próprio processo, e hoje quase tenho vergonha de alguns textos mais antigos. Tenho perfeita consciência que a minha escrita mudou, e muito, e não foi só porque deixei de dar alguns erros de palmatória que dava no início. Para isso - se tenho desculpa? Sim: muitos anos sem escrever, muitos anos sempre a ler, falar e pensar numa língua estrangeira, e uma recusa, que se mantém patológica, de utilizar um corrector ortográfico. Das outras mudanças, ainda não sei o que incriminar. O certo é que isto tem dias de se parecer muito pouco com um blog, tanto pelo que escrevo, como pelo que me lêem. E também não me apetece escrever um diário, que o acto de lançar as minhas palavras para o espaço, mesmo que ninguém leia e tal não me incomode por aí além, é um acto libertador e uma ousadia que um dia pode até, talvez, devolver resposta do alien certo que me leia. A minha mensagem, que é tão variada como o meu estado de espírito e tão atribulada quanto a minha vida, pode ser mais doce ou mais ácida, mais triste ou mais alegre, mais leve ou mais sisuda, mais enraivecida ou mais tranquila, mas não leva nenhuma intenção, não pretende atingir ninguém, nem nenhum objectivo concreto, são apenas coisas de mim sopradas para o ar. E, mesmo que não acreditem, digo-vos que tudo o que vai daqui, vai em paz. Este blog é o meu armistício. Às vezes, a minha sanidade mental. 

Espera

"Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.


Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça."






Eugénio de Andrade

Somando




Durante muito tempo, lançava em seco os meus gritos de alerta ou socorro. Faltavas-me primeiro, acusavas-me depois, no retorno da minha mágoa. Dizias-me: não sabes gritar, isso não é súplica, não pediste a minha ajuda. Acabei por perceber que não falta qualidade ou intensidade à minha voz, antes que é o teu ouvido que é fraco. As mágoas somam-se todas, mesmo que sejam apples and oranges.

Na vida, como na estrada

Não consigo ler os sinais a não ser quando já estou em cima deles. Dado que toda a gente acusa as mulheres de lerem demais nos sinais, e lerem-nos onde não existem, deve-me faltar um gene qualquer. E uns óculos.

No horizonte, em inesperado

Frase do Dia



The line between confidence and arrogance is very thin.

Não seremos velhos

Eis que, assim de repente, parece-me que entrei numa segunda adolescência. Um bocadinho menos óbvia, mas com mais que óbvios paralelos.

Diz-se que a adolescência é a passagem da infância para a idade adulta, mas realmente quem é que é capaz de considerar "adulto" um desses seres de 20 anos dos dias que correm? Acho é que a adolescência hoje em dia é a passagem da infância para a juventude. Uma "juventude" que dura até cerca dos 35. Mas e a partir daí? Quando deixamos definitivamente de ser “jovens”, também ainda não somos velhos. Entramos então noutra época de transição, a caminhar inexoravelmente para longe dos loucos trinta, e a vislumbrar assustadoramente rápido os quarentas - tremo só de pensar, que quarenta soa tanto a porta de entrada para a velhice, que hoje alguém de quarenta e tal já é visto como velho, mesmo que insitam em dizer-me que os 40 são os novos 30, e por aí abaixo. Mas há indubitavelmente uma passagem do "miúda" para o "senhora", um constatar, mais ou menos turbo-lento, que já não podemos mesmo dizer que somos jovens (a não ser, e perante uma certa generosidade, que reclamemos a juventude de espírito). E é o que chamo de velhescência.

Tal como a adolescência, a velhescência é um período de alterações a todos os níveis, marcado pela ambiguidade do que fomos e do que seremos, pêndulos ambulantes, na adolescência oscilando entre a criança que já não somos e o adulto que ainda não conhecemos, na velhescência oscilando entre o jovem que dizem que já não somos, e o adulto que já é suposto sermos e não reconhecemos. Para mim, é a dicotomia da miúda louca que quer ir dançar até às 6 da manhã no Lux, e a senhora ajuizada que pensa que tem é de se deitar cedo, que no dia seguinte tem de ter a cabeça fresca por motivos profissionais. Oscilando entre a miúda que gosta de vestir uns trapos modernos e cool, e a senhora que tem de se vestir apropriada e decorosamente para as funções que desempenha. Ou a miúda que quer ir a uns concertos e festivais, e a senhora que já não está muito na onda de comer pó e ser pisada, e empurrada, e andar assim genericamente em manada. Ou ainda, a miúda que quer é programas todos os dias, e a senhora mãe de família que tem de equilibrar o tempo que passa com a cria. E finalmente, a miúda que se quer lançar num relacionamento com a fé do "como se não houvesse amanhã", e a senhora que sabe bem o que o ontem lhe reservou para hoje, e que tem de pensar nas consequências desses impulsos sobre as suas cicatrizes e sobre o filho que tem de proteger.

É tudo muito semelhante no processo, com as devidas diferenças no conteúdo - por assim dizer. Ao nível físico, o corpo muda, e não o controlamos, e não percebemos que raio se passa com ele; ao nível mental, reequacionamos tudo, até os gosto - com a surpresa do "gosto disto!" ou "já não gosto?!", o "nunca tinha pensado nisto desta forma", ou o "nunca tinha reparado naqueloutro"; e a nível social, e emocional, basicamente resumidos à angústia da pergunta "qual é afinal o meu papel nesta droga de filme??". Paralelamente, também há muito que muda em nós em relação à forma como vivemos a nossa sexualidade, num complicado processo que envolve imagem e auto-estima, amadurecimento intelectual e cicatrizes emocionais. E acho que também a exposição a estímulos diferentes, talvez a alteração do que são as práticas e tendências comuns entre os grupos em que nos inserimos, e o acesso, agora sim - diria mais adulto, à experiência erótica em geral. A mim, parece-me uma segunda libertação.

Certo é que ambas as idades implicam uma coisa muito importante: aprendizagem. Descobrimo-nos diferentes, descobrimo-nos novos papeis e novos objectivos, e nem sempre nos descobrimos capazes de lidar com tanta novidade. Precisamos de aprender muita coisa de novo, desenvolver outras competências, adaptarmo-nos. Porque são ambas fases de re-definição de identidade, alturas em que precisamos, vitalmente, de conseguir responder à pergunta: "quem sou eu?". E na velhescência voltamos a sentir não pertencer a lado nenhum, ao mesmo tempo que voltamos a ter vontade de outras experiências, e até a arrogar-nos esse direito - por virtude do que sentimos ser um novo estatuto.

Nem quero imaginar o que será mais tarde, talvez algures lá pelos cinquenta e muitos, se tiver de enfrentar mais uma transformação profunda para me admitir definitivamente velha. Ou talvez isso seja só na reforma, lá para os 80 pelo andar da carruagem, e se lá chegarmos vivos (que o estado espera que não, para não pagar reformas). Talvez ainda nessa altura me venham exortar à vida a dizer que os 80 são os novos 60, que uma década de desfasamento entre idade oficial e idade real (ou lá o que seja) será aí já demasiado banal. Tudo isto para reflectir sobre se, de facto, o busílis não é simplesmente que nos recusamos a envelhecer. E para quê.

Amor (ido)

Pudera eu cantar, nas sílabas de um poema, o meu bem de amor, a entrega pura, o meu brilho de olhar o mundo com doçura, a leveza de viver e amar. Mesmo no dia do amor ido, pudera eu cantar - como fez Sophia:


"Pelas tuas mãos medi o mundo
E na balança pura dos teus ombros
Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua"


Pudera eu; mas não posso. Porque não cabem em métricas cantadas os males de amor ainda não ido de mim; porque não se escrevem em rimas cruzadas a palidez do sol e noites sem lua e sem fim. Porque pesa tanto o amor que falta sobre os meus, e outros ombros falhos de pureza, descrentes, ateus. A balança pesa o nada germinado de solo fecundo, o meu meio consumido, implodido, ardido na chama. Foi pelas minhas mãos vazias que pesei o mundo, e era pesado demais para quem ama. E no fim, foi no reflexo do amor ido que me medi a mim, e era pequeno demais para quem amou. Agora, agora que o amor é ido, ido, que entre os ombros, logo abaixo, o coração ferido, chama que se apagou, não quero mais o amor de fiel da balança a aferir grandezas tão desiguais. Não quero medir um mundo que não é meu, não quero medidas e pesos do quanto doeu. Dói simplesmente, recorrentemente, mas é desse mundo antigo que partiu contigo, e me deixou sem mundo a que chame meu.

Convalescença

Não sei se é a doença que atrai o desânimo, se o contrário. Sei que as duas coisas juntas é dose. Sei que os antibióticos e os antiflamatórios, os analgésicos e outros que tais, curam a primeira - eventualmente. E sei que para o segundo, por maior a boa vontade e amizade, os chás e as sopas, as pep-talks e a companhia, nada se compara ao efeito de um "esta é a Mãe que eu conheço com força!", quando lá consigo fazer o esforço de entrar numa brincadeira com o meu miúdo cheio de saudades. É que, por um lado, ele diz-me - desta forma inexplicavelmente confiante -  que eu tenho força e me recupero. E, por outro, com aquela sua candura, diz-me que sabe como eu estou, e tem saudades de mim, essa "com força". E eu não podia deixá-lo perceber, nem lhe podia nem posso faltar - não sobra senão erguer a cabeça e lutar, com essa força que tenho que resgatar, e avançar.

Venha o Sol


Depois de tanta chuva, a condizer com hospitais, análises e exames, e as correspondentes dores e maleitas, nada como uma nesga de céu azul brilhante na janela ao acordar. Venha o sol.

Normalização

Uma manhã passada no hospital. Longa lista de medicamentos: para isto, para aquilo, para prevenir aqueloutro. Para a tristeza e desmotivação, não passa? Nem para azias de amor, temos pena. Abasteço na farmácia, o anúncio dizia que tinham de tudo, da paciência à felicidade, ou qualquer coisa do género. Não consta, saio de lá mais leve no bolso, e as porcarias que trago todas juntas nem sequer conseguem ter o aspecto colorido e diverido dos anúncios. Somos tão enganados pela publicidade. Já não bastava os bancos, a contar a história dos três porquinhos para nos convencerem que uma aplicação qualquer é como uma casa com telhado e o lobo no caldeirão, mas... mas depois, bem de corridinho, dizem que o capital não é garantido, e "rendibilidades passadas não garantem rendibilidades futuras". Francamente.

Mas também, dado que andamos a ser enganados desde que nascemos, com promessas de que a vida é fantástica, o amor é lindo, etecetra e tal por aí fora, se não fosse a publicidade, ao fim de uns anos nem nos lembravamos já do que é suposto ser essa tal vida fantástica e divertida. E não é dela colorida que falamos quando dizemos "é a vida" - sabemos muito bem o que ela é realmente. Habituamo-nos tanto a descortinar as expectáveis trapaças da publicidade, que achamos estranho é que algo seja vendido sem um bocadinho pelo menos de mentira. Ficamos logo desconfiados se nos dizem que é um produto decente, que é aquilo que muitas vezes queremos mesmo: um produto decente, que valha o que custa e que cumpra a sua função, sem malabarismos e extras de fogo de artifício, que não fazem falta nenhuma se só queremos dar um suissinho saudável às crianças, ou deixar a casa perfumada.

Pensando bem nisto, acho que já chegou às pessoas, em grau 7 ou 8 da escala de Pouca Vergonha, e eu é que ainda não apanhei a coisa. Na verdade, olho à volta e o que vejo é um monte de gente que se quer vender pelo que não é, numa imagem mais positiva e colorida de si mesmo, mas que vende, e a verdade é essa, mesmo que quem compre admita calmamente que sabe que não é "isso tudo", mas que pensa saber em que é que está a ser enganado, porque obviamente que não vai haver malabaristas ou fogo de artifício. Grande tranquilidade. E depois há uns aparentemente imunes, mas que são os doentes, valha-nos deus, porque mostram apenas o imperfeito que são, que é o que somos, o que não tem graça nenhuma e deixa os outros desconfiados por não verem onde está a marosca, e por isso não compram. Hei de procurar essa coisa na farmácia, a próxima vez que lá for. É uma bisnaga de cinismo e um frasco de dissimulação, se faz favor. Era nascer normal, temos pena.

E na minha mudança

Tenho saudades tuas, que me conheces de uma forma que acho que já não sei ser com mais ninguém. Às vezes espanto-me comigo própria - não sei se mudei assim tanto mesmo, ou se me habituei a ser outra pessoa.

Mas às vezes penso que, da mesma forma, e como todos os outros que passaram na minha vida, tu já não és a pessoa de quem tenho saudades.

A prisão dos "ses"

Anos depois do fim, espanto-me esta madrugada com uma mensagem de algém que diz que ainda me ama e que cada amanhecer é mais um dia de luta em que sente a minha falta. Uma mensagem cheia de "ses", à luz do sol a nascer e a pensar "se" poderia ter sido diferente, "se" ele tivesse isto e "se" ele tivesse aquilo. Não é a primeira vez que recebo algo do género - a última foi há pouco mais de um ano. Tal como então, esta mensagem entristece-me, parte-me o coração. Custou-me tanto - e custa - ver o quanto a minha partida lhe fez mal, mas saber que ficar me faria pior a mim. Nada na minha decisão, longamente pensada, pesarosamente equacionada, mas tranquilamente tomada, mudaria "se" ele tivesse isto ou aquilo. Os nossos caminhos afastaram-se, gradual e subrepticiamente, à medida que cada um de nós mudava na sua própria corrente. E se esse caminhos têm volta, que às vezes têm, tal como as mudanças individuais às vezes afastam mas às vezes aproximam, já o amor quando falta ou acaba é definitivo.

Custou-me tanto - e custa, ver uma transformação operar-se na pessoa que eu escolhi para viver comigo o resto dos meus dias. E é verdade que eu nunca cheguei a amá-lo realmente, e que também mudei, como todos mudamos - mas o amor que quis não veio e nós não mudamos no mesmo sentido. E dessas mudanças, o que mais custa, nem sempre é ver que houve uma mudança, mas antes saber perdido aquilo que foi antes e que eu queria que viesse a ser. Nunca saberei "se" foi isso, ou apenas isso, mas sei que um dia acordei a conseguir dizer que já não havia hipótese de amor, que aquela já não era a pessoa que tentei amar um dia, que nada de mim e da minha vida, das minhas motivações e aspirações, ía junto com o outro. Ficar era um preço demasiado alto para eu pagar.

Às vezes lembro-me dele assim - assim como era o homem que escolhi, pai do meu filho. Às vezes, ainda, ele lembra-me o mesmo, quando me surpreende com atitudes desse ele de antigamente, que conseguiam compensar a falta de um amor mais tradicional. Mas sei que o que foi, já foi, e nada o mudará, enquanto continuará em mudança o que ele é, e o que eu sou, em caminhos tão, mas tão distantes. É angustiada que lhe respondo que a vida não pode ser feita de "ses", mas é de coração que tento animá-lo e lhe garanto, ainda, a minha amizade. A maior pena que tenho é que, mesmo depois de anos de guerrilha e do tanto que fez por me magoar, ele ache ainda que é amor, e mo escreva assim, preso nos "ses", deixando-me também a pensar: quem será o homem que realmente me amou? E "se" foi amor, será que um dia vai passar? E "se" foi, merecerei algum dia o amor de um outro que possa reciprocar?

Era ontem

@!!*#?/*!

Quando eu for a "Presidente da Junta" aqui do estaminé, pelo menos vou saber que há uma enorme diferença entre pressionar motivando e pressionar destruindo a auto-confiança.

Um mês a apoiar uma pessoa nova na equipa, a formá-la, a ajudá-la a ganhar confiança e a lidar com as primeiras frustrações, e vem ele, que ele é que é o "Presidente da Junta", e deixa-a de joelhos a tremer a horas de uma reunião importante, cheia de dúvidas da sua capacidade, enquanto tenho eu que dar a volta ao meu dia para tentar remendar a coisa e para a poder acompanhar. E ele diz que só meteu um bocadinho de pressão, que isso é bom e faz falta. Eu tento explicar o conceito "saudável" de pressão e ele acha que são "subtilezas de flores de estufa".

E o dia avança com reunião geral do staff, com mais uma deselegante, injusta e desnecessária saída aqui do iluminado da praça, que deixa outro membro valiosíssimo da equipa numa situação muito desagradável e a passos de se ir embora. E lá vou eu oferecer apoio, e manifestar o meu desagrado pelo sucedido, publicamente no momento e depois em particular, e a ter de dar razão a todas as queixas que oiço.

Tenho um raio de um karma de muro das lamentações, mas não consigo ficar indiferente a estas coisas. Só me apetece despejar palavrões, mas autista como só ele, na volta não ouvia metade. Tudo o que todos - todos! - dizemos, ainda que em uníssono, e acho que mesmo que musicado, ele desdenha porque ele é que sabe, ele é que é o "Presidente da Junta". Qualquer dia tem a Junta vazia e o que me lixa, com um enorme F, é que todos nós, os que aqui não mandamos nada, suamos as estopinhas e lutamos todos os dias por um projecto em que acreditamos, pelo qual largamos outras coisas, mas que só chegará a bom porto se ele não der cabo de tudo. E como a Junta está nas mãos dele, pouco nos sobra. Frustrante.

Estranha-se, sim, mas entranha-se

Abençoadas segundas-feiras que devolvem sentido às horas, marcadas em calendários de dias ocupados com tarefas, reuniões e deadlines. Abençoadas segundas-feiras que, pelo meio do vazio da vida, que é a mesma vida e o mesmo vazio, marcam um ciclo de cinco dias com horas para, com horas de, com horas contadas e usadas. Malditas segundas-feiras que mostram tão inequívoco o vazio do tempo que fecham, o vazio do tempo que abrem, a incógnita do sentido com que me movo.



"Como é estranha a minha liberdade
As coisas deixam-me passar
Abrem alas de vazio para que eu passe
Como é estranho viver sem alimento
Sem que nada em nós precise ou gaste
Como é estranho não saber"

Sophia de Mello Breyner Andresen

Meu Poema de Domingo - com Música

Retrato em Branco e Preto

Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cór
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

Medo da Verdade

Ela diz-me, finalmente não contendo as lágrimas, "tenho medo de dizer a verdade". São anos de vida que lhe passam pela frente, quando equaciona responder à pergunta - com verdade. Foram anos de vida que se desgastou, que se aburguesou, vida que assim a desgostou e esgotou. Foi a vida, como sempre é, como sempre preferimos achar que é. Diz que foi ela, a vida, que os levou pelos caminhos da crescente indiferença, pelos becos dos silêncios consentidos, pelas veredas do egoísmo. E um dia explodem em palavras amargas e cruas, espelhos de mútuas incompreensões, e no fim há malas à porta, e duras, durísimas despedidas. Mas ela sente: ela não queria as malas aviadas, mas não queria aquela podridão instalada. Ela ainda o quer, só não quer aquela vida. E ele vai, põe um fim à vida que ela não quer, mas deixa-lhe outra que ela não sabe viver. Ela diz que ainda o ama mas, com verdade, ela sabe que ele já não é o homem que ela quer e, com verdade, ela não quer responder. "Mas tu achas que ele já não sente nada por ti?"    

Todo o amor que chega ao fim é triste. Mas é mais triste um fim de amor assim. Estes perderam-se um do outro, ela quer procurar regresso, e ele já partiu. Só não posso dizer-lho assim, por isso consolo-a - o tanto que pode consolar um ombro para chorar. Que é pouco, sei bem que sim, mas até ela perder o medo da verdade, só me resta estar lá, segurar-lhe a mão, e continuar a perguntar. Deixou-me angustiada, por ela, mas também porque me fico a perguntar de quanto fugimos da verdade, do quanto a queremos esconder, por vezes nem mesmo com a coragem de admitir que temos medo de a dizer. 

Engenho e Coragem

Com engenho e coragem assim, como é que o povo Egípcio não havia de vencer?... Grande luta e grande vitória.


Dúvidas

Há coisas que não deviam precisar de palavras. Sobretudo, coisas de pessoas - de pessoas amigas. Se peço um favor ou uma ajuda a um amigo, assumindo que ele é meu amigo, assumo também que ajudará no que lhe for possível. E fá-lo-á, penso eu, porque é meu amigo, e não preciso de lhe "lembrar" que ele também já precisou de ajuda, porque isso, penso eu, será irrelevante. Se alguém precisa de me apontar com todas as letras uma "razão" porque eu o devo ajudar, considero que está a duvidar do que não devia questionar. E isso só pode ser porque esse alguém não me conhece. E afinal, eu não o conheço também. 

Volver ao Centro Original

"Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.


Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.


E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.



O Fruto, de Rainer Rilke, tradução de Augusto de Campos.
(Fantástica descoberta esta.)

No Ar


Esvoaçam soltos, livres, leves, não lhes toca a mão, que fugiram de dentro, espelhados na água de um olhar perdido no tempo. Há olhos que tocam a pele, há sorrisos que se alojam na alma, há vozes que afagam cabelos, e palavras que soltam, em momentos, cores libertas dos nossos novelos. Há dias de claridade, luz de dentro que escorremos, diante os olhos, lagos ou oceanos, espelhos prata do que não vemos. E no ar, são grãos do nosso pó suspensos, nossos indeléveis brilhos, nossos fragmentos, e esvoaçam soltos, livres, leves, como compete aos sentimentos.

Um desenho?


Nosso é o erro, isso ninguém nos tira. Mas o defeito não é nosso - é produzido por nós, mas "é" daquilo onde se reflectiu o erro. A falha é do sistema: resulta de executar algo com um defeito, defeito que resulta de um erro. E se errar é humano, como é que podemos esperar um mundo e uma vida sem defeitos, e acreditar que um dia as coisas não falham? Adorei.

Pesos

Os textos que hoje escrevo são diferentes, sim. Protejo-me mais, evitando detalhes da minha vida e de mim que não quero escrever. As palavras não me correm para as teclas com a mesma fluidez pseudo-poética de outros tempos. Às vezes acontece, em textos muito curtos, momentos de lucidez (ou loucura, ainda não percebi muito bem). Tenho pouco feedback, coisa que nunca me importou e nunca foi razão do blog, mas que fui tendo noutros tempos, para além da satisfação e clarificação pessoal que me traz a escrita. E esse vazio, onde ecoam algumas outras críticas, deixa-me a pensar se será, realmente, que projecto hoje, também na escrita, a distância, a frieza, a falta de capacidade de acolhimento de que me acusam, que parece que me lêem de outras formas, e que, alegadamente, leva as pessoas de mim.

Assusta-me este raciocínio, mas depois de um fim de semana de reflexão, aquieto-me. Tenho muitos defeitos, que tenho. É só escolher. Agora, não me inventem os que não tenho para a fuga, a indiferença, a falta de vontade ou conveniência. É que isto dá-me uma trabalheira andar a procurar por eles, os tais defeitos, e ainda quase me convenço que sou eu que não os vejo, e que os tenho, ai meu deus, como é possível? Mas não, não tenho. Ainda sei pesar-me o suficiente para saber que, alguns, não tenho. Há é ângulos melhores que outros para fazer uma leitura correcta desse peso. 

Ausente

"Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de advinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face


Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio


Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente."



Por vezes, o grande ausente é apenas não-presente, outras vezes, não-existente, sentido numa falta, num vazio que não tem nome. É uma ausência com sabor a saudade, de que não se conhece senão silêncio e vontade.



"Eis-me", Sophia de Mello Breyner Andresen

Na fronteira

Resolvo fazer por dias melhores. Não quero continuar a boicotar-me, encarnando a ridícula figura do quero-mas-não-quero, queixando-me da solidão e do deserto, mas arranjado desculpas para não dar hipótese aos outros. Como o (auto)boicote, já repetido, ao jantar com um prometido-hipotético-suposto príncipe, apalavrado para o seu regresso das paragens mais quentes por onde agora anda. Mas não sei se vou a tempo (nem se quero ir, quer dizer, mas até quero, claro que sim, apalavrei-o - coisa parva!).

Neste esforço de reviravolta, começo pelo mais fácil: o de fora. Sei que parece fútil, aqui perco metade dos meus três leitores, mas na verdade isso obriga a uma pose que, mesmo sendo quase disfarce de início, aos poucos sistematiza posturas e comportamentos que, ao retro-alimentarem o ego e dando umas palmadinhas nas costas da auto-estima, acaba por gerar um ciclo de - digamos - "positividade". Às vezes, é tão simples como aligeirar um pouco os dias, com as histórias e piropos de que se recheiam assim (sou vaidosa, realmente, uma fácil, lamento.)

É o começo. É obrigar-me a sair da minha bolha, correndo os inevitáveis riscos. E sinto que preciso desses riscos porque me falta adrenalina, aventura, inesperado. E outras guerras para vencer. O que me leva até, por vezes, a fazer coisas estúpidas, mas para as quais avanço num impulso de ousadia, de vontade de experimentar diferente, dar hipótese à surpresa. Não se diz que, se fizermos as coisas sempre da mesma maneira, não podemos esperar resultados diferentes?

Depois... depois, tem momentos em que me pergunto: será isto o desespero? Será isto sinal de que me está a pesar demais a angústia da solidão hoje e a perspectiva de um "e foi sozinha para sempre"? Estou um bocado baralhada, mais uma vez. Sei que preciso de me agarrar a qualquer coisa para inverter o ciclo dos últimos tempos. Mas não sei se estou a ser inventiva e ousada, ou apenas mesmo desesperada. Há uma linha muito ténue por aí, parece-me. Sim, há - com certeza. E desesperada também não quero ser. Credo.

Valor de ser "pessoa"

Recentemente, num virar do bico ao prego (uma bela expressão popular), acabei por escrever uma longa auto-análise difícil (nunca é fácil fazê-la, mas o resultado tem vezes de ser consolador, e outras vezes de ser doloroso, difícil também). E no fim daquelas frases regurgitadas directo da alma, o retrato que fiz de mim não é bonito. Tive de encarar o facto de que, realmente, tenho ainda muito para curar em mim, e tive que admitir que estes "winter blues", que se têm espelhado no blog, e que ando a tentar contrariar, vêm muito de continuar sem conseguir valorizar-me apenas pelo que sou "pessoa". Continuo a buscar-me valor e significado no trabalho, à falta de alternativa, e sinto-me sozinha, apesar de geralmente acompanhada, a viver uma vida vazia, de trabalho, trabalho, trabalho e pouco mais, sem o esperado retorno imediato da valorização pretendida - que não chega, isto não chega, e também sem qualquer garantia de retorno futuro.

No fundo, é um score fraquinho que obtenho, como não podia deixar de ser, tal como tão bem explica este post, onde se lê, por exemplo, “O «valor» que nos é atribuído não tem uma verdade intrínseca. Em geral é um valor «bolsista», mutável, feito de expectativas, acessos ou quebras de confiança, de necessidades momentâneas, tendências da estação, reposição de stocks. (…) Pobre de quem se convence de que vale muito ou pouco. Pobre de quem se julga de acordo com o que vale.

Muito verdade, em abstracto, mas eu não sei ser de outra forma. Eu preciso de ser qualquer coisa que me valorize e que possa usar para me julgar. Tal como fui, em tempos e tempo demais, "a Mãe do L", e por aí me significava e provava, não deixando dúvidas a ninguém de ser uma boa mãe, uma mãe capaz. A mulher tinha ficado para trás, porque também não tinha mais nada, não valia mais nada, e estes últimos tempos, já longos, têm sido a luta de renascimento dessa mulher, mas dessa mulher com valor de ser "pessoa". Só que agora, além do desencanto e do cansaço, a mulher que tenho em mim continua a ter de se julgar com a falta de verdadeiro Amor, de companhia por dentro, com o handicap dos meios papeis que desempenha - tal como ser mãe em part-time, que o miúdo divide-se agora igualmente pelos progenitores, e sem grandes feitos recentes a relatar, a não ser profissionalmente. Hoje sou o meu trabalho e uns vestidos que me forço a usar. Triste. Sim, realmente é pobreza. O pior tipo dela. Mas ando à procura de onde capitalizar.

Mãos. Assim. Minhas. Queria.




Ou como no poema de Sophia :


"Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender."

Às vezes sim, e às vezes não