Uma Máxima para 2011


Pelo menos...

Um objectivo para 2011

Chegar ao fim do ano e poder dizer duas coisas: que valeu a pena mais um e que tenho planos para o seguinte. Se valer a pena só pode ser porque chego melhor ao final, e se tenho planos para mais um, só pode ser porque tenho razões para querer continuar a viver e a lutar. Como este ano, quero chegar ao fim com vontade de ir festejar, com tudo a que tenho direito, a começar por um vestido especial, (que este ano aperto facilmente sozinha, mas que pode ser que alguém aperte por mim no próximo), e com sapatos e acessórios à altura do desafio. Pode parecer uma futilidade, mas o certo é que a escolha do vestido, a vontade com que me arranjo para este dia simbólico, diz muito do saldo do ano que acaba e, mais ainda, da esperança com que começo o seguinte.

Um desafio para 2011

A capacidade de concessão sem comprometer o fundamental.

(Por exemplo, e a começar logo pelo desejo para 2011, conceder em algumas características do homem perfeito, e ainda assim encontrar o meu Príncipe. Na verdade, prescindo facilmente de muitos dos atributos que menciono, mas independente do conjunto de características, não pode é deixar de ser um Príncipe, e tratar-me como uma Princesa.)

Um desejo para 2011

Se é para desejar e dar espaço à magia, então quero que 2011 me traga um Príncipe. Sim, um Príncipe à séria, não vou gastar o meu desejo a pedir um homem normal. A poder escolher, é claro que escolho o Príncipe, e pegunto-me que mulher escolheria o contrário. Esse Príncipe é – claro – o homem perfeito para mim. Ou seja, um homem inteligente, com sentido de humor, bonito, resolvido, atencioso e carinhoso, e já agora rico e com bom gosto. Mas “Homem”! E que queira uma Princesa como eu, é claro, portanto que seja mais modesto no seu desejo e menos exigente na sua definição de mulher perfeita.

2011

Este ano não faço balanço. Fui fazendo alguns ao longo dos meses e, dado que a minha vida continua a surpreender-me com curvas e desvios inesperados a cada dois passos, fica difícil de consolidar contas e fazer balanços.

Também não sou capaz de pensar em 12 desejos para as passas da meia noite. Primeiro, porque, desejos por desejos, tenho muito mais que 12, e desejos especiais tenho muito menos que meia dúzia. Assim fica difícil decidir os que incluir e os que deixar de fora. Segundo, porque também sei que as passas não são mágicas e dispenso, portanto, a momentânea ilusão. E, finalmente, porque coisas como saúde para o meu filho, paz ou alegria, são desejos que não são exclusivos de ano nenhum, não têm tempo nem validade, nem devem ser levianamente entregues à responsabilidade de uma uva ressequida.

Portanto, em vez dos 12 desejos, tenho apenas um que vou tentar acreditar que uma mágica qualquer me concede em 2011. E além de um desejo, tenho um desafio, um objectivo e uma máxima. A seguir, um de cada vez. E, entretanto, a todos os que por aqui passam, os que comentam e que eu sei quem são, os que comentam e eu não sei quem são, os que não comentam mas que eu sei quem são, e os que não comentam e eu não faço ideia de quem são, um bom Ano de 2011.

Bitolas

Não há como o vislumbre do que soubemos um dia chamar de amor, para ver claramente aquilo que não merece essas quatro etéreas letras. Não interessa que a nossa definição nunca tenha sido muito definitiva. Não interessa que não tenha sido muito clara, ou consensual. Interessa apenas que nos encheu de algo único, talvez incomparável, e que mesmo que apenas sabido hoje em fugazes viagens pela memória, em recordações de uma história que se escreveu em nós, forjou uma bitola inegociável e marcou uma medida que sabemos de cor.

Poética Dúvida

"NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?"


(David Mourão-Ferreira)

Inspirado e expirado

"O que é o amor, em concreto? Não perguntes o que é sem este «em concreto», acabarás com arbitrariedades verbais, piedades, coisas vãs. O que é o amor em concreto, concreto como cimento, como betão, concreto como uma pedra, imagem tão diferente do complicado e impudico coração? O verbete «amor» fala em emoção, estética, ideologia, doença, e nada disso interessa agora mas apenas o amor em concreto, corpos, cortinas, cheiros, cães, o amor que com ou sem aspas mostramos aos outros para que acreditemos também, vejam a minha felicidade, a minha normalidade, a minha desistência. Com o teu amor concreto o mundo encontra uma base estável no meio dos vendavais. E agora suportas todas as decepções. O amor é um vício, uma gangrena, faz mais falta um amor concreto, hábitos, fotos, impostos, torneiras, é contra o amor que o amor concreto triunfa, onde estavas, amor, quando foste preciso, quando ela precisava, ao passo que eu estive sempre aqui ao seu lado? Que importam as tuas escaladas, os teus mergulhos, que tristes acrobacias são essas, que escusado espectáculo, quando eu dou (diz o amor concreto) a desculpa, o descanso, os domingos? O amor perdeu porque é seu costume, saiu para a rua com a roupa errada, enquanto o amor concreto trouxe agasalho, é prudente e precavido, tem botões, chaves, ferramentas. O amor diz que ama mas desconhece o tempo e o tédio, é por ser banal que o amor concreto o humilha, não há amor mais forte que o amor em concreto, o amor que te toca, protege, exaspera, o que é o amor ao pé disso, simples hipótese rabiscada num guardanapo, devaneio de asténicos, vida alternativa. Vinhas com os teus exércitos, amor, mas foste dizimado, o amor em concreto é o único, escondo-me agora na vergonha dos indignos enquanto em concreto o amor concreto está onde sempre esteve, tranquilo no inverno com o teu amor nos braços."


(Aqui, do blog A Lei Seca)

What DO we want for Christmas?...

Um "you" qualquer, como na música que toda a gente conhece. O nome, e olhos e sorriso, e mãos e corpo e cheiro. Quer se conheçam já ou não. Aliás, sobretudo, se não se conhecerem ainda. Aliás, talvez não. Aliás, não faz qualquer diferença. Há sempre um "you" que serve perfeitamente, físico ou sonhado.

Rusty, of course

Clarice Dixit

"O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo."

Sim, sim, um enorme sim ecoa em mim ao ler esta frase! Este mesmo conceito norteou-me tantas vezes, sobretudo quando andei a navegar, uma casquinha de noz frágil e indefesa, por mares revoltos e castigadores, que me fustigaram com duras tempestades. E, talvez por isso, olho agora a frase, e olho esses tempos atrás, e fica-me um gosto um pouco acre ao perceber que a tormenta realmente insuportável é não sabermos porque havemos de lutar, porque o mar calmo não nos permite ver com clareza aquilo de que não podemos desistir. Será que apenas uma qualquer guerra ou tempestade nos permite ser o que somos? Ou será que só queremos ser as nossas maiores qualidades, as grandes virtudes, evidenciadas mais claramente a combater uma qualquer tormenta? Também se devia poder ser, completo, com qualidades e defeitos, sem ter de provar valentia e coragem, bramindo uma qualquer espada contra as agruras da vida. Nos tempos de calmaria, o que nos falta é a guerra. É a isso que recorremos para firmar objectivos, é a isso que recorremos para nos atribuirmos sentido. E na ânsia de semear ventos, colhendo as fatídicas tempestades esclarecedoras, esquecemos que o mar não nos pertence. E o mar também nos pode engolir na calmaria, quando navegamos num leve ondular. Não deixa grandes epopeias para contar, não parece um grande mérito, nem merece medalhas de coragem, mas exige muito maior força de vontade para não desistirmos de navegar - escolher o rumo, escolher o destino, e mover o barco - ou ser tragado silenciosamente. Há muita gente à deriva por isso mesmo, apenas à espera da próxima tempestade para sentir que existe, sem perceber que se não se pode escolher existir na calmaria é porque, no fundo, já se desistiu de si próprio. 

Maio

Hoje caiu-me de repente em cima o peso de uma série de meses, mais dos que gostaria de contar. De repente, mesmo assim em total choque, realizei que estamos a menos de 15 dias do fim do ano. Estranhamente, apesar do frio não enganar ninguém, parece que estava presa à noção de que a última Primavera era uma coisa ainda recente. Maio marcou o arranque de uma nova fase da minha vida, em muitos sentidos, uma esperança renovada. Mas talvez porque nada se tenha desenvolvido à velocidade, ou na direcção, esperadas, e talvez também por ter marcado o início de um período de ritmo intenso, parece que ainda é Maio na minha cabeça. Não dei pelo Verão a passar, nem reparei que já foi Outono. Talvez seja um processo de denial, uma verdadeira recusa de assumir que passaram quase 8 meses e ainda não alcancei, de facto, a totalidade dos objectivos propostos. De certa forma, Maio ainda não se cumpriu.

Andei todo o dia a remoer este raciocínio, para acabar a concluir que tudo aquilo que não se cumpre parece que não se fecha. Ao longo do tempo, acumulam-se demasiados capítulos abertos, enquanto não se tem a sorte de os poder fechar, ou a coragem, ou a humildade, de os dar por encerrados, desistindo de lutar por um final julgado possível, julgado feliz. E enquanto não se fecham, vivemos um calendário distorcido, onde o tempo é realmente relativo, e em que, anacronicamente, podemos viver presos em vários meses ou anos diferentes num mesmo momento. Aliás, podemos acabar uma soma de vários meses e datas encaixados uns nos outros, podemos acabar a ser esse calendário distorcido. 

Tenho uma série de Maios na minha vida, e muitos Verões perdidos. Não quero perder mais estações. É a minha primeira resolução para 2011, mas para começar a pôr em prática a partir de agora.

Se tanto me dói

"Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem"


Sophia de Mello Breyner Andresen

Longa Catarse Natalícia

Naquele tempo, o Natal era sinónimo de expectativa, de festa de família, cantoria e presentes. Era o tempo de montar o gigantesco presépio que surgia não se sabia bem de onde, num monte de caixas com centenas de figurinhas embrulhadas em jornal. As caixas, depois de vazias, convertiam-se em montes e vales que ocupavam largos metros junto a uma parede da sala, cobertos com um pano verde e grosso, artisticamente enrugado e salpicado de algodão ou esforovite a fazer as vezes de neve, e povoado com todas as figuras que três pequenas alminhas entusiasmadas colocavam, sob instrução da mãe, em forma de peregrinação em direcção ao ponto mais alto do presépio. Aí, estava uma cabana com telhado de palhinha, e as incontornáveis personagens centrais, várias vezes maiores que todas as outras, e tão mais valiosas que era à mãe que cabia desembrulhá-las e colocá-las lá. Por cima da cabana era onde assentava a estrela, e os três reis magos, montados nos seus camelos, começavam por ser colocados no ponto mais distante do presépio, para serem movidos para um nadinha mais perto cada dia, por meio de pequenas mãos que alternavam criteriosamente cada dia. Não havia árvore de Natal, nem se falava do Pai Natal. O Natal era do menino Jesus e pronto. Anos mais tarde, o pai lá se rendeu e deixou entrar a herege representação natalícia do pinheiro lá em casa. Claro que, já que tinha de ser, que fosse em grande. E as mesmas três alminhas, aí já não tão pequenas mas ainda entusiastas do Natal, lá viram entrar um pinheiro que tocava no tecto da sala, e o feito a repetir-se todos os anos a partir daí. A concessão: a estrela continuava no presépio, mas este passou a ser montado na base da árvore. Nesse tempos, espalhavam pela casa fitas e bolas, compunham arranjos de mesa e enfeitavam os castiçais. Havia uma enorme coroa de flores e enfeites natalícios pendurada na porta da rua, e amontoavam-se os embrulhos por todos os cantos da sala, consoante a “família” a que se destinavam.

E realmente era um Natal de muitas famílias, do lado do pai, do lado da mãe, do lado da mãe do pai e do pai da mãe, mais tias velhas e idosos senhores, a quem se devia uma deferência qualquer, e que nos custavam mais uma viagem de carro e mais uns beijos que detestávamos para entregar mais embrulhos. E também trazer sempre qualquer coisa, é certo, quase sempre guloseimas. Desde a tarde de dia 24, até à noite de dia 25, corriam-se todas as capelinhas das várias famílias a que estavam ligados, livrando a sala, aos poucos, dos montes de embrulhos. Para a família da casa, sobrava muito pouco. Restava a manhã do dia 25, em que tomavam todos o pequeno almoço de pijama e roupão, e trocavam os presentes dos pais para as filhas e vice-versa, e depois também entre irmãs. Mas a correr, porque era preciso estarem todos prontos para a missa do meio dia, e a seguir lá entravam no périplo de mais um dia, com um almoço com os avós paternos, visitas várias pela tarde, e jantar com a família do avô materno. E esse último jantar, esse é que era Natal, esse é que era o momento em que se sentia família, em que os rituais até faziam sentido, desde a cantoria solene em frente ao presépio, até à cerimónia de beijar o menino, que um dos mais novos da família, seguido de perto pela avó, tinha a honra de circular por entre todos, seguro numas mãos pequeninas atrás de uns olhos muito brilhantes e um ar compenetrado, ciente da responsabilidade assumida.

Não sei em que ponto exacto, mas algures pelo caminho da sucessão impiedosa dos Natais, uma daquelas meninas perdeu a fé. O presépio passou a ser apenas um amontoado de figuras kitsh, e uma obrigação aborrecida. A árvore de Natal gigantesca passou a ser apenas um estorvo que levava horas a enfeitar, e a correria daqueles dois dias deixou de compensar, não tanto pela falta das guloseimas que foram sendo substituídas gradualmente por presentes sempre desadequados, mas porque se tornou cada vez mais claro, mais óbvio, que não havia família própria, no meio de tantos familiares em tantas casas, almoços, lanches e jantares. E depois, já não era menina, tentou ser feliz mas deu um enorme trambolhão, e logo nesse ano da queda, faltou-lhe o avô. E assim o serão de dia 25 passou a ser apenas um hino à sua memória, recalcando a ferida da saudade a cada ritual que se repetia sem ele por perto, sem o seu sorriso, sem o seu abraço atrapalhado mas muito forte, muito sentido, entregando aquele que era sempre o presente perfeito. Geralmente um livro, quase sempre reprovado pelos pais, mas que o avô declarava indiferente que era perfeitamente adequado. E sem essa recompensa final pelos dois dias de farsa insana, o Natal morreu para ela.

Durante os anos seguintes, ainda tentava replicar a alegria natalícia, embora sem grande convicção, sobretudo quando acreditou que havia construído, finalmente, a sua própria família. A árvore era muito mais pequena, as decorações muito mais bem escolhidas, o presépio era pequeno e simbólico, mas também enchia a sua casa de cores e doces de Natal, e tentou fazer, finalmente, um Natal da sua família, passados tantos anos, uma refeição mais importante e demorada do que um simples pequeno almoço de pijama. Mas a coisa nunca correu lá muito bem, e quando afinal descobriu que tinha um filho, mas não tinha família, nem a primeira que herdara, nem a segunda que tentara criar, também ela morreu para o Natal. Tudo passou a incomodá-la nessa época, provavelmente pelo tanto que fazia doer, não só da saudade dos que passaram a faltar, como até da perdida alegria ingénua, tão própria das crianças, que via reflectida pelo seu próprio petiz, e tão impossível para quem passou já a curva do desencanto, quem se compenetrou do seu próprio fracasso, do seu próprio vazio, da frieza das expectativas ajustadas, por baixo, muito baixo, e assim, lucidamente, tem de enfrentar a derrota.

A pedido insistente do seu filho, comprou há 2 anos uma árvore de natal pequena, da loja dos chineses. Este ano, teve de a montar e enfeitar com luzes, com bastante antecedência, para não desgostar a criança animada e estupidamente natalícia que lhe calhou. Mas entregou-lhe a responsabilidade da decoração, por isso, pela primeira vez, não tem uma árvore exemplo das tendências da moda e cores da estação. Tem uma árvore com tudo aquilo que uma criança crente, e ingenuamente alegre, se lembrou de lá pendurar. Desde recortes de revista a alguns dos seus bonecos preferidos, à mistura com uma quantas bolas vermelhas e uns bocadinhos de “neve” feita de algodão, uma fita dourada com estrelas, que tinha guardada e que fez brilhar os olhos ao seu pequenote, e uns enfeites de madeira. Se o presépio monstruoso de casa dos pais era kitsh, e ela o desprezava então, que diria agora essa menina sobre a sua nova árvore de Natal...

O presépio que desembrulhou do jornal, o único que tem porque o único que alguma vez quis, tem apenas quatro pequenas figuras de barro cozido, em linhas muito simples, e a originalidade de mostrar Maria sentada, de pernas cruzadas, com o menino no regaço. Tem um S. José longilíneo, de cabeça ligeiramente curvada, e duas ovelhas. Como quase tudo nesta criatura morta para o Natal que morreu para ela, e para mais umas quantas coisas da vida, até a escolha do presépio se pautou pela selecção do mais invulgar, quase insólito. Quem não achou graça foi a criança da casa, desolada pela pequenez do presépio e pela simplicidade das formas, e porque “nem tem um burro e uma vaca”. E faltava “chão” e tantas outras coisas mais, que acabou por colocar as figuras em cima de um lenço verde da mãe, juntou-lhe umas bolas da árvore de natal e mais “neve” de algodão, e ainda se atreveu a sugerir à mãe que tinham de pintar as figuras. Ao que esta lhe respondeu, aterrorizada, que não era para pintar nada, que era assim, com aquelas figuras sem rosto desenhado e de linhas muito simples, um presépio de cabia num quadradinho de 20 centímetros de lado, que ela gostava de se lembrar que era Natal. E aquela criança lá tirará as suas conclusões sobre o episódio, que ninguém imagina hoje quais sejam, não sem antes ter explicado à mãe que, assim, "sem cores nem nada, nem se percebe se o bebé é o S. José pequenino, se é um anjinho que caiu do céu…”.

Este ano, pela segunda vez, essa menina que não queria celebrar mais o Natal, tem de o fazer de modo repartido, porque deve à sua criança a celebração, ainda que seja uma pequena farsa, mas cede o dia 24 para o pai. Assim, quando regressar no dia 25, lá será a criança arrastada pelos périplos que os avós ainda mantêm, embora já mais reduzidos com a inevitável morte a dizimar as várias famílias e os novos elementos a serem cada vez mais distantes, muito embora a criança não se importe, que ainda venera o presépio imenso da avó, e gosta de tentar tocar no topo da árvore às cavalitas do avô, e proclamar que a árvore chega “mesmo” até ao tecto, e porque ainda traz guloseimas e brinquedos de que gosta, de cada paragem que fazemos, e ainda não sente que lhe falte ninguém especial, ou nenhum abraço fundamental. Ainda bem. Essa é a única alegria do Natal da sua mãe.

Here comes the weekend

Long live the weekend.

Dar Nomes às Coisas

As palavras têm valor, maior do que o seu simples significado no dicionário. As palavras dão nomes às coisas, e é só com a sua escolha certa que podemos dar-lhes existência real, e depois articulá-las, construindo frases e textos que as substantivem, que as expliquem, ou relativizem - correctamente. E tudo são coisas à nossa volta, e tudo são coisas dentro de nós. Nem sempre de significado claro e, tantas vezes, perdemos-nos por esse caminhos fora, sem entender muito bem que nome leva a estrada que escolhemos, que nomes escondem as pedras que nos atrapalham o passo, que nome leva a areia que nos escorre pelos dedos. 

É preciso dar nomes às coisas e, sobretudo, "chamar os bois pelos nomes" (recorrendo à sabedoria popular) - é que é fundamental nomear, mas com propriedade. É preciso saber dizer “tenho dúvidas”, em vez de emitir um julgamento apressado só para dizer que se sabe o que é. É preciso saber dizer “tenho medo”, em vez de nos refugiarmos em argumentos lógicos de sensata cautela, é preciso saber dizer “custa-me”, “dói-me”, em vez de encolher os ombros e dizer que são coisas da vida ou do destino que fingimos aceitar. E depois fazer perguntas até obter a resposta certa, verdadeiramente condensadora, até responder claramente a “isso é o quê - qual é a palavra?” (como diria alguém que conheço). Também é preciso saber dizer se uma coisa é “amizade”, ou se já não é, ou se ainda não é. E se outra coisa é “amor”, ou se já não é, ou se nunca foi. E saber dizer o que é cada coisa afinal. É fundamental dizer o nome daquilo porque sofremos ou lutamos, que descartamos ou em que acreditamos, saber dizer o nome de que são feitas as coisas que somos, que sentimos, que vivemos.

Como escrevia ontem das lágrimas presas, que no misto do que sentia não sabia bem de que eram feitas: "Até a elas é preciso dar um nome para que se resignem a existir." E sinto o mesmo com todas as coisas de mim que vagueiam por dentro, sem verdadeira existência porque ainda sem nome, e que, porque não nomeadas, não articulo num texto que faça o mínimo sentido. Mas, atenção: não é uma escolha fácil. Porque depois de materializar a coisa, não há como fugir dela. Seja ela o que for, e tenha as consequências que tiver no texto com que se vai escrevendo a vida e nos vamos descrevendo a nós; seja uma pacificação, seja um tumulto, seja simplesmente deixar correr umas lágrimas.

Sem Nome

E lá fico eu torcida, tolhida, engolida pela angústia que sobe por mim acima, que entra por mim adentro. No misto da culpa, da raiva e da dor de saber o meu pequenino doente, recaído, nas mãos de outro que não eu, outro que não fez caso das minhas recomendações e que me devolve agora, assim sem mais, a notícia da doença entranhada no meu filho. Aquele de quem ainda tenho de ouvir uns gritos histéricos, de indignação que apenas esconde a óbvia incompetência, porque ele saiu daqui quase bom na 6ª feira, e ontem fez tudo o que não devia, ao contrário do que pedi, e hoje está pior e não tem lá a minha mão e os meus olhos, a sentir-lhe e a ver-lhe a febre subir antes de ser gritada pelo termómetro.

Neste misto estranho de sentimentos, de incapacidade, de falha, de dor, apetece-me chorar e não consigo. Porque não sei o que chora mais alto, porque não sei de quê são as lágrimas, e até a elas é preciso dar um nome para que se resignem a existir. Queria estar com ele no meu colo, queria vê-lo a cada minuto, queria ser eu a dar-lhe os medicamentos para ter a certeza de que nada mais pode ser feito para que melhore depressa. E esta distância, e esta prisão de fora, serve apenas para me carregar com um peso enorme de tristeza e angústia, exilada do meu papel de mãe, numa desterrada terra sem nome, terra de ninguém.

Escrever ou não escrever

"Ganhei" um dia de férias antecipadas, porque o miúdo acordou com febre e hoje falharam-me todos os recursos do costume. Tive mesmo de ficar com ele, que não tem nada de grave e, quando eu já me castigava mentalmente pela anotação irreflectida que não era mal pensado que tivesse assim uma pontinha de febre mais vezes, que fica um sossego - o rapaz (tadinho..., pronto, eu sei, não é coisa que se diga), lá espevitou a massacrou-me a cabeça o resto da tarde, porque o pai nunca mais chegava para o levar (que é dia de mudança, e lá vai ele para uma semana de casa de pai, e eu para uma semana de dias de mulher), e não percebe um atraso de 2 horas. Só não foi grande coisa o "negócio", porque deduziu um dia na semana que estava planeada para o fim do ano, e vai-me complicar a vida. E também porque, como é óbvio, não gosto que esteja doente e, na verdade, enquanto a febre não cedeu e tive a certeza que não era grave, andei aqui numa aflição.

Podia ter aproveitado o tempo que fui tendo aqui e ali ao longo do dia para escrever sobre várias coisas, mas não consegui. Porque tenho uma coisa a bailar-me na cabeça desde ontem, uma coisa daquelas insólitas, que rapidamente transformo em recambolesca, e noutro passo esboço em enredo de romance ou mistério, ou melhor ainda, as duas coisas ao mesmo tempo. E deu-me vontade de pegar nisso e deixar correr a pena, e lançar-me novamente num exercício de escrita livre. Depois lembrei-me que nunca cheguei a acabar o conto que aqui fui publicando o ano passado, que nunca chegou a ter título, o que na verdade é bastante apropriado para um conto que não chegou a ter fim. Lanço-me a reler o conto, e depois descubro que não cheguei a publicar tudo o que escrevi, mas que mesmo assim não o encerra.

E agora tenho o bichinho da escrita a crescer, mas o danado tem duas cabeças e duas vontades, e anda a gozar comigo, fazendo-me balançar entre o racional de acabar uma coisa antes de começar a segunda, e o emocional do me lançar onde agora arde a imaginação. E se calhar, depois disto tudo, foge-me a inspiração... O primeiro conto por acabar, começa aqui. O segundo talvez venha aqui parar um dia destes, mas entretanto, se calhar, já arranjava título para o inacabado. Se bem que, para lhe dar um título, melhor era que o acabasse. Caso contrário, sempre é mais consistente sem título, ou pelo menos sólido na sua inconsistência. Sim, sou exímia em enredar-me nas minhas próprias lógicas, e em passar laçadas de angústia à volta de coisas sem importância nenhuma. Mas melhor assim, melhor assim...

Adenda

Andei à procura de uma frase, de que me lembrava da ideia mas sem conseguir já reproduzir, e que tem tudo a ver com o post anterior. Mais uma citação de Antoine de Saint-Exupéry, mais uma lição do meu saudoso avô, que levei mais de 3 décadas a entender:

"O Amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte"

Notas

Alguma coisa de muito errado se passa, quando se arrasta uma dor de cabeça quase uma semana, e se chega ao final de um dia, a caminho de casa, guiando em plena noite pela autoestrada, e se tem de percorrer todas as estações de rádio pré-sintonizadas até se ficar pela Antena 2, porque tudo o resto é simplesmente barulho demais. E isto tudo a pensar que, dentro de 30 minutos, é preciso entrar em casa com um sorriso para render a babysitter e não cair para o lado quando um mini-Rambo de 5 anos nos assaltar, exigindo todo o resto de energia e forças que tivermos no fundo dos bolsos, e esgotando até ao fim dos fins o plafond de todos os créditos emocionais que ainda temos. O meu mini-Rambo, de metralhadora e binóculos, assalta-me realmente, primeiro com um “susto” que afinal é uma “surpresa” (porque diz paternalistamente “acha que eu ia dar um susto à mãe?...”) e depois esgota-me e leva-me o espólio de sorrisos, abraços e beijinhos (porque eu sou o “monstro dos beijinhos!”).

Na bancarrota, adormeço pouco depois e, quando acordo de madrugada, de repente sinto-me inacreditavelmente afortunada, com aquela cabeça loira encostada a mim, num abraço aninhado que me diz que, apesar das horas tardias a que chego, e dos momentos que partilhamos parece que sempre em corrida, ainda sou protecção e conforto, e sou amor, tudo espelhado numa expressão de total paz e no ritmo de um sono profundo e feliz da minha pequena âncora; e reflectido pela minha vigília enternecida, apesar do cansaço, apesar da dor de cabeça, pacificamente trocando mais uns minutos de sono tão vital pelo sentir daquele enlace tão único.

Felizmente que ontem foi feriado, e o dia foi de nós dois sem pressas. E depois também de várias horas de sono recuperado, estou hoje sem dor de cabeça finalmente e com um reservatório cheio de mimos para lhe devolver, e atestada de sorrisos e forças e energia para lutar pelo dia fora e chegar ao fim a merecer aquele meu pequeno banco - o meu banco de notas de vida.